Folha de S. Paulo


editorial

A vez da Itália

A rebelião dos eleitores contra a política tradicional ganhou mais uma batalha na Itália. A vítima da vez é o premiê Matteo Renzi, obrigado a renunciar após ver a sua proposta de reforma constitucional ser derrotada em referendo.

O fiasco da campanha liderada pelo Partido Democrático (centro-esquerda) impressionou pelos números finais —o "não" venceu por 59% a 41%. Um resultado bem mais acachapante do que as vitórias renhidas de Donald Trump, nos EUA, e do "Brexit", no Reino Unido.

A reforma constitucional prometia deixar a Itália mais governável após décadas de instabilidade política. Entre as propostas estavam a redução do número de cadeiras no Senado, de 315 para 100, e o fim do seu poder para dissolver governos.

As mudanças incluiriam também maior centralização do poder em Roma, esvaziando governos regionais. Para opositores, o pacote aumentaria em demasiado o poder de Renzi, que vinha em processo de desgaste após não conseguir reaquecer a economia nos três anos como premiê.

Sem condições políticas, ele cumpriu a promessa de abreviar seu governo, o 63° em 70 anos. Agora o presidente Sergio Mattarella negocia com os principais partidos a nomeação de um novo premiê.

No curto prazo, as principais preocupações estão na área econômica. A renúncia de Renzi pode fazer ruir o desenho financeiro para salvar o terceiro maior banco do país, Monte dei Paschi di Siena (MPS), que enfrenta sérias dificuldades e precisa levantar € 5 bilhões até o fim deste mês.

Por outro lado, ainda é cedo para saber se a Itália seguirá o caminho britânico, uma vez que o referendo não tocava em temas ligados à União Europeia. O resultado, todavia, expressa uma clara vitória das organizações contrárias ao bloco, principais responsáveis pela campanha do "não".

São os casos do antissistema Cinco Estrelas, atualmente o segundo maior partido italiano, e do xenófobo Liga Norte. Ambos passaram a exigir a antecipação das eleições gerais previstas para 2018, o que tende a favorecê-los.

Com suas propostas populistas, são eles os principais beneficiários da insatisfação dos italianos com a débil recuperação econômica pós-crise de 2008. Numa época de disseminação quase instantânea das informações, qualquer semelhança com Reino Unido e EUA não será mera coincidência.

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