Folha de S. Paulo


ROBERTO QUIROGA MOSQUERA E JOÃO MARCOS COLUSSI

Ovos de ouro e impostos, parte 2

Em artigo que escrevemos para esta Folha, em 2015, afirmamos que a carga tributária no país tinha chegado ao seu limite. O contribuinte brasileiro não suportava mais custear os gastos públicos.

Utilizamos, como demonstração dessa tese, a história da galinha dos ovos de ouro. A fábula ensina que, por excesso de ganância, o fazendeiro (governo) acabou matando a galinha (contribuinte) dos ovos de ouro (tributos).

Felizmente, o atual governo afirmou que não haverá aumento de impostos. A solução é mexer no lado das despesas.

O contribuinte (galinha) bota só um ovo de ouro por dia (tributos); portanto, não adianta abrir-lhe a barriga para antecipar sua riqueza, pois dentro dela encontrará apenas vísceras. O governo (fazendeiro) parece ter entendido que precisa diminuir as despesas (custos do galinheiro), e não esperar que os contribuintes (galinhas) paguem mais tributos (ovos de ouro) para suportar seus excessos.

Cabe agora, contudo, fazer um outro alerta. Não adianta realizar uma pressão fiscal sobre o contribuinte para cobrar-lhe um contencioso tributário, muitas vezes controverso. Medidas exageradas de constrição de patrimônio podem também aniquilá-lo e inviabilizar sua sobrevivência.

Voltando à fábula: quando falta ração no galinheiro (recessão), a galinha fica mais fraca e não consegue mais botar ovos todos os dias (a produção e as margens de lucro caem). Não adianta pressioná-la. É o que está ocorrendo nos dias atuais.

Foram editadas normas para dar uma maior efetividade à cobrança de créditos tributários. Pretende-se alavancar a arrecadação não por aumento da carga tributária, mas por cobrança de valores já devidos pelos contribuintes (parte deles controversos), mediante mecanismos de pressão fiscal (arrolamento de bens, cautelares fiscais, garantias judiciais, penhora on-line etc.).

Estima-se que o contencioso tributário federal atual gire em torno de R$ 2,5 trilhões: a) R$ 1,5 trilhão de valores já inscritos na dívida ativa da União e em cobrança judicial; b) R$ 700 bilhões em autuações fiscais; c) R$ 300 bilhões em discussões judiciais com suspensão de exigibilidade do crédito.

Desse total, apenas algo em torno de 35% corresponde ao valor do tributo original; o restante é composto por juros Selic (os maiores do mundo) e multas pelo não pagamento (as maiores do mundo).

Esse crédito tributário é impagável e irrecuperável, por uma simples razão: os juros e as multas incidentes são monstruosos e inviabilizam qualquer espécie de recomposição patrimonial para os contribuintes.
Um contribuinte que tenha atrasado um imposto há cinco anos, por exemplo, terá que pagar o tributo acrescido de juros Selic de 60% e multas que chegam a 200%.

Também não adianta induzir um maior rigor no julgamento do contencioso administrativo tributário, como fez o ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy em julho de 2015, durante a reabertura do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais). Disse ele, após reclamar da queda da arrecadação federal, que precisaria de algo em torno de R$ 100 bilhões para fechar o deficit público. Com essa declaração, o ex-ministro dava o tom de como seriam os julgamentos administrativos a partir de então.

Portanto, cuidado! Pode-se matar a galinha (contribuinte) de ovos de ouro (tributos) não só aumentando a carga tributária mas também fazendo pressão para que ela bote ovos todos os dias e compense os atrasados, justamente num dos momentos de maior recessão econômica da história contemporânea do Brasil.

ROBERTO QUIROGA MOSQUERA, advogado, sócio do escritório Mattos Filho, é professor de direito tributário da USP e do mestrado profissional da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas

JOÃO MARCOS COLUSSI é sócio do escritório Mattos Filho. Atua em questões fiscais perante tribunais administrativos e judiciais

PARTICIPAÇÃO

Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br


Endereço da página:

Links no texto: