Folha de S. Paulo


editorial

Autogolpe na Turquia

A obstinada marcha autoritária imposta pelo presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, faz agonizar a democracia no país.

Assim como ocorreu na Venezuela após a tentativa de golpe contra Hugo Chávez, em 2002, Erdogan usa o fracassado movimento militar de julho como pretexto para implantar sua cartilha autoritária, que inclui o expurgo de cerca de 110 mil funcionários públicos e o silenciamento da imprensa crítica.

A diferença é que o presidente turco avança nesse caminho sem disfarces e a grande velocidade. Alguns dias atrás, por exemplo, 12 parlamentares pró-curdos foram presos, sob acusações vagas de favorecer o terrorismo.

Apoiado por uma coalizão que mistura islamistas e nacionalistas, Erdogan afirma que as medidas são necessárias para evitar novos intentos golpistas —a iniciativa recente deixou saldo de 270 mortos— e combater ataques extremistas, de fato bastante frequentes.

Desde antes de julho, no entanto, o que se constata é outra coisa: a construção de um regime personalista autoritário.

Todos os parlamentares presos são do Partido Democrático dos Povos, a segunda maior força de oposição no Congresso. Debilitado, representa um obstáculo a menos a separar Erdogan de sua grande ambição, substituir o atual sistema parlamentarista por um modelo presidencialista forte.

Ao que tudo indica, o referendo sobre mudanças na Constituição, com realização prevista para o primeiro semestre de 2017, pode muito bem se revelar uma pantomima.

Não há votação livre num país em que líderes oposicionistas são perseguidos e a imprensa sofre retaliações gravíssimas —180 veículos terminaram fechados e mais de 120 jornalistas foram presos.

A pressão externa tem sido pouco eficaz. Apesar de criticado pelos Estados Unidos e pela União Europeia, Erdogan tem-se mostrado hábil em valer-se da importância estratégica da Turquia para desarmar sanções.

Membro da Otan, o país tem papel crucial não somente no xadrez do Oriente Médio mas também na contenção de levas de refugiados sírios para o continente europeu.

Erdogan, além disso, provavelmente terá uma Casa Branca mais favorável no ano quem vem, já que seu futuro ocupante, Donald Trump, costuma elogiar líderes autoritários.

Cada vez mais, infelizmente, a Turquia se afasta do imaginado modelo democrático para o mundo muçulmano.

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