Folha de S. Paulo


editorial

Ó céus

Políticos parecem ter uma atração irresistível pelos céus. A Procuradoria Regional da República da 1ª Região denunciou 443 ex-deputados federais pelo escândalo conhecido como "farra das passagens".

De 2007 a 2009, os políticos usaram de modo nada republicano as verbas para compra de bilhetes aéreos a que tinham direito. Em vez de custearem somente deslocamentos relacionados com o trabalho, bancaram atividades particulares, como o transporte de parentes e viagens de lazer. Alguns chegaram a vender parte da cota para agências de turismo.

Para o Ministério Público Federal, as condutas caracterizam o crime de peculato. Vários dos acusados afirmam que, como esse tipo de operação não era vedado por lei, nada fizeram de errado.

Ministros do governo Michel Temer (PMDB) se valeram de ardis semelhantes. Levantamento feito pelo jornal "O Estado de S. Paulo" mostrou que, de 781 voos que os auxiliares do presidente solicitaram à Força Aérea Brasileira (FAB) de maio a outubro, 238 —praticamente um terço— ocorreram em desacordo com as regras fixadas.

Essas viagens tiveram como origem ou destino a cidade de residência dos ministros e não contaram com justificativa na agenda oficial. Dos 24 titulares de pasta, só 3 seguiram as normas. O fato de muitos dos deslocamentos terem ocorrido nas sextas e nas segundas-feiras reforça a suspeita quanto às motivações particulares.

Esses não são os primeiros nem serão os últimos casos de abuso de benefícios oferecidos a autoridades. A discussão legal pode ser interminável, mas a moral é bem mais simples: se o político se vale de seu cargo para lograr vantagens pessoais, seu ato é condenável.

Há uma solução simples para esse tipo de problema, mas é pouco provável que venha a ser adotada. Bastaria pagar às autoridades um salário um tanto mais elevado e eliminar todos os auxílios, verbas de gabinete e mordomias.

Parlamentares e ministros iriam para o serviço por seus próprios meios. Precisam de avião? Que tomem voos de carreira, a não ser em casos muito restritos, definidos minuciosamente em lei. Pagando do próprio bolso, ninguém reclamará se viajarem de primeira classe ou levarem pencas de parentes.

Políticos que quisessem auxiliares não concursados contratariam por conta própria, sem limite de funcionários nem a necessidade de fiscalizar se de fato trabalham.

Os cofres públicos sairiam ganhando, e os políticos seriam forçados a dar valor ao dinheiro que recebem dos contribuintes.

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