Folha de S. Paulo


ROBERTO PORTO

Desafio na cracolândia

A região da cracolândia, no centro de São Paulo, voltou a ganhar grande evidência nos últimos dias em decorrência do anúncio de mudanças no programa de redução de danos denominado De Braços Abertos, implementado há cerca de três anos na cidade de São Paulo.

É certo que o chefe do executivo municipal possui poder para a prática de atos administrativos com liberdade de escolha. O singelo objetivo aqui proposto é o da reflexão sobre a necessidade de propiciar diferentes tratamentos a diferentes perfis de usuários, com históricos de vida absolutamente diversos.

O consumo desenfreado de drogas persiste no local há mais de dez anos. A degradação daquele espaço, que já foi ocupado por aproximadamente 1.500 dependentes químicos, viabilizou o surgimento e o fortalecimento de território livre para o tráfico e uso de drogas. Instalou-se o caos na região.

Para restabelecer o cumprimento da ordem, sem uma ação higienista ou violenta, houve a necessidade de urgência e eficiência, características que, há muito, haviam sido abandonadas.

Em Amsterdã, na Holanda, deu-se experiência interessante e que tem servido de referência a outros países. Ali, dependentes químicos são inseridos em programas de recolhimento de lixo nas ruas e nos parques da cidade, recebendo em troca benefícios financiados, em parte, pelo governo daquele país.

Trata-se de um projeto inovador, agindo com poucos recursos e investimentos públicos do governo holandês, que foi capaz de proporcionar melhor qualidade de vida e um ambiente adequado ao tratamento da dependência. O sucesso foi imediato.

A experiência abriu caminho inédito com a adoção de solução prática e econômica para o tratamento e recuperação da dependência química. A experiência holandesa teve o mérito de se basear na criatividade de autoridades públicas no trato com questões polêmicas.

Também aqui, o programa implementado pela Prefeitura de São Paulo privilegiou o contexto socioemocional dos envolvidos, proporcionando um enfoque social e assistencial integrado à saúde.
O oferece oportunidades de trabalho, qualificação profissional, alimentação, hospedagem, seguro de vida, renda e tratamento de saúde aos dependentes.

A baixa expectativa de vida dos usuários de crack está diretamente relacionada a uma população socialmente marginalizada, com baixo nível de escolaridade e sem vínculos empregatícios, absolutamente estigmatizada pelo uso da droga.

Não é correto dizer que o programa municipal é a antítese do Recomeço, adotado pelo governo do Estado de São Paulo. Eles se complementam e oferecem diferentes opções, da completa abstinência e internação compulsória à redução paliativa do consumo de drogas, a quem antes só conhecia o caminho da indiferença e da repressão.

A reversão desse quadro, por meio de diferentes programas inclusivos, é fator primordial no sucesso de qualquer tratamento. Por isso, todas as propostas merecem um aprofundado debate por parte das autoridades públicas.

ROBERTO PORTO é é promotor de Justiça, mestre em direito político e econômico e professor da Fundação Armando Alvares Penteado (Faap)

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