Folha de S. Paulo


editorial

Verdadeiro cartão-postal

Historiadores do futuro encontrarão no teleférico do Complexo do Alemão fartos elementos sobre a crise que acometeu o país neste começo de século. O enredo iniciado há oito anos sintetiza vícios recorrentes da política brasileira.

Seu final, passe o trocadilho, está suspenso. O teleférico parou na semana passada, por tempo indeterminado, em decorrência de atraso no repasse de verbas.

Já o início das peripécias é bem conhecido. Em março de 2008, o então presidente Lula (PT) anunciou uma série de obras em favelas do Rio. Dilma Rousseff (PT), na época ministra da Casa Civil, surgia como a "mãe do PAC", o programa responsável pelos projetos.

Três anos depois, Dilma, já presidente, e Sérgio Cabral (PMDB), então governador do Rio, inauguraram o serviço com pompa e circunstância. As obras custaram R$ 253 milhões —decerto um trocado dentro do delírio de grandeza. O PIB crescera vigorosos 7,5% em 2010.

Prevaleceu, como em tantas outras oportunidades, a vontade de tocar projetos grandiosos em detrimento de sanear graves carências das regiões mais pobres.

Não era só isso. As falhas de planejamento logo se evidenciaram; as projeções se mostraram irrealistas. No papel, o teleférico transportaria 30 mil pessoas por dia. Na prática, levava 12 mil.

A gestão também suscitou controvérsia. A Supervia, empresa do grupo Odebrecht contratada sem licitação, operou o serviço por quase cinco anos de modo experimental.

Uma concorrência enfim aberta em março de 2015 selecionou empresa do advogado Tiago Cedraz, filho do presidente do TCU (Tribunal de Contas da União), Aroldo Cedraz. Ele foi beneficiado por mudança no edital que excluiu exigência de um ano de atuação na área.

Tiago Cedraz figura, ainda, como investigado na Lava Jato; o empreiteiro Ricardo Pessoa, da UTC, disse que pagou a ele R$ 50 mil para receber informações do TCU.

Como arremate irônico, o governo do Rio interrompeu em abril o pagamento ao consórcio vencedor, devido ao descalabro da economia —em grande parte provocado por compromissos irrefletidos que se tornam onerosos demais.

Tudo somado, a promessa de bonança escondia o cardápio de sempre: demagogia política, desrespeito ao Orçamento, relações suspeitas entre governos e empresas, licitações mal explicadas. Restou um teleférico inoperante —um verdadeiro cartão-postal do Brasil.

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