Folha de S. Paulo


editorial

A batalha por Mossul

Sob diversos aspectos, a recém-iniciada ofensiva do Exército iraquiano para expulsar o Estado Islâmico (EI) de Mossul deverá mudar a dinâmica no Oriente Médio.

A eventual perda da segunda maior cidade do Iraque, com cerca de 1,5 milhão de habitantes, seria um imenso revés para a facção terrorista. Trata-se de seu maior reduto, uma inestimável fonte de renda pelos impostos cobrados.

O peso simbólico também é expressivo. Foi ali que o líder do EI, Abu Bakr al-Baghdadi, proclamou-se califa de uma vasta região entre o Iraque e a Síria logo após a surpreendente tomada da cidade, em junho de 2014.

Mossul é ainda crucial para a estratégia geopolítica dos Estados Unidos, principais arquitetos do plano de ataque. Uma vitória rápida e com poucas mortes de civis seria um contraponto à carnificina na luta contra os terroristas em Aleppo, na Síria, onde a Rússia tem grande responsabilidade.

Por outro lado, um combate prolongado e sangrento embute o risco de aumentar as divisões sectárias dentro do Iraque e pelo Oriente Médio, alimentadas por uma crise humanitária -a ofensiva poderia gerar cerca de 750 mil refugiados.

Esse cenário constituiria um péssimo legado do presidente Barack Obama, que busca reverter as críticas contra a sua atuação na Síria, e uma grande preocupação para seu sucessor na Casa Branca, cujo mandato começa em 2017.

Planejar os próximos passos depois da ação militar é outro aspecto importante para atingir alguma estabilidade no Iraque. O EI se alimenta do ressentimento de sunitas -a maioria em Mossul- com a perda de poder para os xiitas após a deposição do ditador Saddam Hussein, em 2003.

Para evitar que a milícia terrorista seja simplesmente substituída por outras forças extremistas, a reincorporação de Mossul ao Estado iraquiano terá de levar em conta demandas das lideranças sunitas sobre um novo desenho de governança, uma complexa negociação que acumula fracassos.

Decerto o Iraque precisará de respaldo internacional para lidar com tais desafios. Nesse sentido, foi auspicioso o encontro realizado na quinta (20) em Paris para discutir o futuro da cidade. Participaram o premiê iraquiano, Haider Al-Abadi (por videoconferência), e representantes de outros 21 países.

A batalha por Mossul vai muito além das armas. A ação militar, como a invasão do Iraque em 2003 bem demonstra, pode ser apenas a parte mais fácil na busca por uma solução duradoura para os conflitos no Oriente Médio.

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