Folha de S. Paulo


editorial

Europa longe de Marte

Na mitologia grega, Zeus se transforma num touro branco e seduz a fenícia Europa, que parte em seu dorso. Na era da navegação astronáutica, é Europa —ou melhor, a agência espacial do continente (ESA)— quem busca acercar-se, mas de Marte.

Foi a segunda tentativa europeia, agora com a sonda Schiaparelli. A primeira redundou em frustração, em 2003, quando a Beagle-2 pousou sobre o planeta vermelho sem que seus painéis solares se abrissem para gerar a energia necessária à comunicação.

Haveria exagero, contudo, em falar de fracasso nesta nova missão, a ExoMars 2016. A nave-mãe Trace Gas Orbiter foi bem-sucedida na manobra para entrar em órbita do vizinho de Sistema Solar.

A frenagem do orbitador com foguetes funcionou, e o artefato foi capturado pela gravidade de Marte. Poderá, assim, cumprir atividades como analisar a composição do metano já detectado no planeta para determinar, como se espera, se o gás é produzido por organismos.

A ESA e parceiros russos da agência Roskosmos, contudo, pretendiam chegar bem mais perto do astro que os 400 km de altitude mantidos pela Trace Gas Orbiter. Com esse objetivo separaram dela a Schiaparelli, que deveria pousar em Marte. Não está claro se isso ocorreu, nem se a sonda se acha em condições operacionais.

O escudo térmico cumpriu sua função e desacelerou a sonda em reentrada na atmosfera marciana. A seguir abriu-se o paraquedas, como previsto, mas terminou ejetado antes do que se programava.

Sabe-se ainda que foguetes de estabilização foram disparados, mas cessaram 50 segundos antes do que estava planejado.

Uma grande quantidade de dados de telemetria (medidas de distância) foi enviada à Terra pela nave, que depois silenciou.

Parece provável que a Schiaparelli tenha chegado rápido demais ao solo marciano e sofrido danos. A ESA, porém, ainda não havia dado o artefato por perdido.

Entende-se a hesitação da agência. A Schiaparelli tinha o encargo adicional de comprovar que europeus e russos detêm tecnologia para pousar naves em Marte, crucial para o sucesso da futura missão ExoMars 2020, que inclui a operação de um veículo motorizado com rodas sobre o planeta vermelho.

Sem tal demonstração, os dirigentes da ESA decerto encontrarão dificuldade para obter 300 milhões de euros a mais a fim de levar seu jipe até lá. Sem eles, realizar pesquisas em solo marciano seguirá como uma façanha exclusiva da Nasa, a agência americana.

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