Folha de S. Paulo


ALVARO DE AZEVEDO GONZAGA E ANDRÉ SPOSITO MENDES

Em nomeação de marido para mulher o STF já meteu a colher

Dentro de um Estado democrático de Direito, diversos cargos e carreiras públicas exigem de maneira obrigatória a habilitação profissional ou o reconhecimento de atuação na área como elemento determinante para a sua nomeação.

Um advogado, ao pedir sua inscrição junto aos quadros da OAB, deve ter sido aprovado no exame da OAB.

Um juiz, para que seja empossado, deve ser aprovado em concurso de provas e títulos.

Alguns desembargadores são nomeados, entre promotores e advogados, pelo notório saber jurídico que possuem, -em outras palavras, são reconhecidos pelos seus pares e até mesmo pela sociedade.

Entretanto, parece que o governo Temer tem ignorado uma máxima básica da administração pública que é cumprir todos os requisitos necessários para a investidura nos cargos.

No dia 5 de outubro, aniversário da Constituição, foi lançado o programa Criança Feliz, voltado ao atendimento de crianças do Bolsa Família. E a atual primeira-dama, Marcela Temer, está se preparando para assumir o comando do referido programa.

É certo que o trabalho de cônjuges presidenciais em áreas sociais não é novidade. No governo Fernando Henrique Cardoso, a socióloga Ruth Cardoso foi nomeada presidente do conselho do programa Comunidade Solidária, em claro reconhecimento a sua formação na área e a sua atuação merecedora de tal nomeação.

Acontece é que naquela época não tínhamos uma vedação expressa a essa situação. O Supremo Tribunal Federal, em 2008, aprovou a súmula vinculante número 13, que veda o nepotismo na administração pública, alegando que tal medida contraria a Constituição por atacar princípios como o da moralidade, que em nossa pátria é assegurado, ao menos, textualmente.

A súmula tem o seguinte texto: "A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal".

Ainda que se sustente que ela não receberá salário pela função, serão destacados funcionários e atividades públicas que, naturalmente, gerarão gastos. O nepotismo não deixa de se configurar nessa situação.

Não importa se na função de promoção ou de gestão do programa, a primeira-dama não pode participar do mesmo.

A única exceção seria a nomeação para um cargo político como o de ministro de Estado, que seria aceita pelo STF, mas que não parece ser o caso de Marcela.

Se nos primórdios de nossa tão nova democracia o ato de FHC seria possível, certo é que no atual estado da arte o de Michel Temer ataca de maneira frontal a interpretação do STF e a Constituição -por isso, deve ser barrado.

Antes de ser presidente, Michel Temer nunca deixou de ser constitucionalista. Como tal, deve saber que essa previsão tem efeito vinculante em relação ao Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta.

Mantida a nomeação, abriremos um outro debate: o confronto entre o antigo constitucionalista e o novo presidente.
Qual deles irá prevalecer? A população e a Constituição aguardam ansiosas o desfecho.

ALVARO DE AZEVEDO GONZAGA, 36, pós-doutor pela Universidade Clássica de Lisboa e pela Universidade de Coimbra, é professor de teoria do Estado e ciência política na PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e membro do Instituto Euro-Americano de Derecho Constitucional

ANDRÉ SPOSITO MENDES, 25, é mestrando em direito constitucional e membro do Grupo de Pesquisa de Direitos Fundamentais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

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