Folha de S. Paulo


editorial

Pobre Haiti

O novo desastre que se abateu sobre o Haiti com o furacão Matthew expõe todo o desamparo de uma nação arruinada há quase sete anos pelo terremoto que ceifou 220 mil vidas. A contagem de mortos já supera o milhar e deverá subir.

O extremo oeste do país mais pobre das Américas foi devastado por ventos de mais de 230 km/h. Estima-se que 1,4 milhão de pessoas, ou 13% da população, estejam necessitando de socorros imediatos.

Os mortos são sepultados em valas comuns, às dezenas. O cólera se torna a maior ameaça, dado que as dificuldades adicionais de acesso a água potável decerto agravarão os surtos da doença que já estavam em curso (26 mil casos neste ano, 9.000 mortes desde 2010).

Cerca de 600 militares brasileiros engajados na Minustah (missão da ONU no Haiti) se deslocaram para a área afetada e isolada pela tempestade. Vão auxiliar na assistência e na escolta de comboios humanitários.

A emergência conta ainda com três centenas de fuzileiros navais americanos e organizações como Cruz Vermelha, Unicef e Médicos sem Fronteira. O governo haitiano não tinha recursos próprios nem capacidade institucional para agir de forma preventiva –e não os tem para reagir depois da tormenta.

O contraste com os EUA é chocante. Da Flórida à Carolina do Norte, a costa sudeste foi castigada com enchentes e ventos de mais de 120 km/h, que deixaram 2 milhões de casas e prédios sem luz.

Centenas de milhares de norte-americanos foram evacuados para abrigos. Apesar dos enormes danos materiais, o número de mortos, pelo menos 20, é pequeno em comparação com o do Haiti.

Difícil dizer quanto da reação eficaz se deve à riqueza dos EUA (PIB per capita de US$ 55 mil em 2015, contra US$ 820 no Haiti) e quanto decorre do duro aprendizado com o furacão Katrina, em 2005 –cerca de 1.800 pessoas morreram à época na região de Nova Orleans, quando falhou o sistema de barragens.

Verifica-se o mesmo contraste entre países como Filipinas e Japão, igualmente afligidos por tufões. Estudos anteriores mostram que a probabilidade de alguém morrer no primeiro é 17 vezes maior.

A lição é evidente: como nações mais pobres tendem a ser desproporcionalmente prejudicadas por desastres naturais, precisam contar com ajuda internacional para enfrentá-los –questão premente dada a perspectiva de que fenômenos climáticos extremos se tornem mais frequentes ou mais fortes com o aquecimento global.

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