Folha de S. Paulo


MARCELO VIANA

A chave mágica para tudo o que nos rodeia

Na noite de 29 de maio de 1832, Évariste Galois não pregou o olho. O idealista republicano francês, de 20 anos, estava numa grande encrenca: acabara de ser desafiado para um duelo à pistola. Assunto de saias, a honra não permitia a recusa.

Temendo ser morto, como aconteceu, o que faz o jovem em sua última noite? Passa as horas escrevendo seus trabalhos matemáticos numa carta e pede ao amigo que não deixe suas ideias caírem no esquecimento.

Galois foi um fora de série, e o trabalho que deixou à posteridade é uma das mais belas realizações do pensamento. Como pode o bicho-papão das salas de aula, temor de tantos, despertar tal paixão? Diriam que ele era um gênio.

Mas o que dizer dos milhares de jovens brasileiros que participam da Olimpíada de Matemática, com o mesmo brilho no olhar que podemos adivinhar em Galois? E como explicar o contraste com alunos cujo desprazer pela disciplina põe o Brasil no fundo da tabela das avaliações internacionais?

Num sistema educacional carente, a matemática é convertida numa série de regras arbitrárias, desligadas da realidade. Os resultados em testes internacionais e no Ideb são a consequência.

A maioria de nós nasce com gosto pela matemática, como pelo futebol. Poucos serão um Galois, ou um Pelé. Mas o país precisa de craques, de futebolistas talentosos e até de amadores esforçados. E mais ainda de pesquisadores, engenheiros e comerciários com conhecimento matemático para a profissão e o exercício da cidadania.

Vi um vídeo de uma vendedora de farinha. Um pacote era R$ 3; dois por R$ 5. Questionada se faria três por R$ 10 (R$ 3,33 cada), respondeu: "Ah, não, não tem jeito não!". Matemática é cidadania.

Um estudo concluiu que a pesquisa científica matemática contribuía para a economia do Reino Unido com 2,8 milhões de empregos (10% do total) e 208 bilhões de libras (16% do PIB) em 2010. O mau ensino é péssimo negócio.

Organizada pelo Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa), a Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas -a maior do mundo, com 18 milhões de participantes- revela histórias emocionantes.

Como a do improvável multimedalhista Ricardo Oliveira, de Várzea Alegre (CE), que tem amiotrofia espinhal e era levado à escola em carrinho de mão. Aos 27 anos, Ricardo está concluindo o curso de tecnologia em mecatrônica industrial. Um professor faz enorme diferença. Com dedicação e vocação, Antonio do Amaral fez da rural Cocal dos Alves (PI) uma campeã de medalhas.

É um paradoxo que, apesar de nossas mazelas, o Brasil tenha sido capaz de desenvolver uma matemática do mais alto padrão internacional e de produzir um vencedor da Medalha Fields: é motivo de orgulho Artur Avila ser o primeiro laureado que teve toda a sua educação num país em desenvolvimento.

Em 2017 e 2018, o Brasil receberá a Olimpíada Internacional de Matemática e o Congresso Internacional de Matemáticos, os principais eventos da área. Sob a égide do Congresso Nacional, a comunidade matemática lança uma iniciativa ambiciosa, o Biênio da Matemática 2017-2018.

Queremos aproximar a disciplina da sociedade e apresentá-la como aquilo que realmente é: a chave mágica para compreendermos tudo o que nos rodeia. A matemática está ao alcance de todos e, bem ensinada, é um barato! O republicano Galois concordaria.

MARCELO VIANA é diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa). Foi membro do conselho deliberativo do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)

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