Folha de S. Paulo


Viktor Dolista

JK, tchecos, boêmios e ciganos

No mês do aniversário de Juscelino Kubitschek, é propício comentar questões relacionadas às origens de um dos maiores presidentes brasileiros.

O que poucos brasileiros sabem é que JK é famoso também na República Tcheca. Por suas conquistas assim como pelo fato de seu bisavô ser de origem tcheca. Contudo, no Brasil a origem genealógica do JK está mais relacionada à utópica procedência cigana.

A origem tcheca de JK era de seu ascendente materno.

JK era boêmio, mas não no sentido que no Brasil se entende, nem no significado cigano, nômade que a palavra também significa.

Essa mudança do significado da palavra boemia se explica pelos movimentos religiosos na Boêmia no século 15 que mais tarde pelo uso popular da palavra pelos clássicos escritores franceses.

A maioria dos habitantes da Boêmia era predominantemente de origem tcheca e eslava.

Nesta região também viviam mais de 3 milhões de alemães que foram contenciosamente expulsos do país no final da Segunda Guerra Mundial.

Ao afirmar que JK foi boêmio nos referimos às suas raízes na Boêmia ou Tchéquia.

A Boêmia deriva de uma tribo celta da região, a Tchéquia é o nome do mesmo território, embora sendo mais abrangente, inclui além da região Boêmia também a Morávia e parte da Silésia.

Essas regiões históricas do chamado Reino Tcheco formam atualmente a base territorial da República Tcheca com a sua capital Praga.

Jan Nepomuk Kubí ek, o bisavô de JK, emigrou para o Brasil da Boêmia por volta do ano 1830 quando seu país ainda não era independente.

Na época a maioria dos habitantes da Europa Central, mesmo sendo de origem tcheca, falava também alemão, pois era a língua oficial.

A profissão do Jan Nepomuk, marceneiro, e o sobrenome tcheco, Kubí ek, indicam que ele era de origem tcheca, e não de etnia cigana, como tem sido difundido.

A ortografia do sobrenome Kubí ek é comum na Tchéquia e foi alterada para manter a sua pronúncia original.

Jan Nepomuk Kubí ek foi apelidado de João Alemão por ter cabelos loiros e olhos azuis. Ao chegar ao Brasil, ele deve ter se declarado como boêmio e essa informação foi preservada na família.

A ideia de que JK possuía origem cigana pode ter derivado dos comentários como os de Israel Pinheiro: "...O Juscelino era um cigano. Quando fui à Tchecoslováquia, perguntei se havia Kubitschek lá. Aliás, a dona Sarah já tinha estado lá e visto na lista telefônica que há centenas de Kubitschek. JK era da Boêmia, daí gostar de violão, de música, de dança, de mulher...".

E mais tarde, com ajuda da internet, numa minissérie, em biografias de políticos e outras pessoas que desconsideravam ou desconheciam os fatos históricos, essa ideia foi reforçada.

JK foi um político brasileiro de importância global. A fundação de Brasília demonstrou a sua fenomenal visão estratégica. Como um tcheco, me orgulho de ter raízes comuns com esse brasileiro singular.

JK sempre se lembrou de suas origens, tão carinhosamente preservadas pela família. Durante seus estudos na Europa em 1930, JK visitou Praga.

Em 1959, em plena Guerra Fria, sua esposa Sarah e suas filhas foram à região da Boêmia do Sul, à pátria de seus ancestrais.

JK foi o mais bem sucedido descendente de um imigrante tcheco no mundo e nós nos orgulhamos disso.

Que o Brasil e o mundo tenham mais homens e políticos como ele.

VIKTOR DOLISTA é diplomata tcheco. Foi, de 2010 a 2015, chefe de Missão Adjunto e Cônsul da Embaixada da República Tcheca em Brasília

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