Folha de S. Paulo


GUSTAVO UNGARO

Por um controle democrático

As investigações promovidas por instituições brasileiras, especialmente nos casos do mensalão e do petrolão, com fundamentadas condenações judiciais após amplo direito de defesa, revelaram corrupção sistêmica em importantes setores estatais.

Empresas controladas pelo poder público foram transformadas, sorrateiramente, em nichos de superfaturamento de contratos, desvios, fraudes, atuação cartelizada e fonte de propinas, dentre outros crimes.

Apenas na maior delas, a perícia realizada na Operação Lava Jato indica prejuízo superior a R$ 40 bilhões, conta que já vem sendo paga pelo cidadão quando abastece seu veículo e troca o botijão de gás a preços áureos.

A nefasta dominação por organizações criminosas causa sangria capaz de levar à inanição o organismo governamental, combalido pelo parasitismo a corroer suas entranhas.

Trata-se de verdadeiro golpe contra a República, pela ilícita apropriação privada de bens públicos, e de violação da democracia, pois contamina o processo eleitoral com dinheiro sujo, utilizado para a compra de apoio político em detrimento da representatividade popular. Daí a justa indignação das pacíficas e numerosas idas às ruas.

Responsabilizar os culpados pelos graves e reiterados crimes perpetrados -que não são meros malfeitos nem podem ser justificados pela tentativa de sua banalização- é decorrência necessária da quadra histórica contemporânea, em que vigora o Estado democrático de Direito, no qual todos estão sujeitos à legalidade e aos demais princípios constitucionais.

Não é aceitável a impunidade própria de um passado longínquo e superado, associado às trevas, em que a figura despótica governante almejava blindagem absoluta e abissal distância da plebe, para gerir segundo seus inconfessáveis interesses, nas sombras e nos meandros dos palácios, o dinheiro de todos recolhido.

A ordem normativa tem avançado, felizmente, com a Constituição de 1988 e as leis de improbidade administrativa, responsabilidade fiscal, transparência, acesso à informação, antitruste e anticorrupção, dentre outras.

O mais recente estatuto protetivo da probidade é a Lei de Responsabilidade das Estatais (lei nº 13.303/2016), que estipula requisitos para a investidura em órgãos diretivos, prevê planos de metas e resultados, código de conduta e integridade, divulgação de informações relevantes, análise de riscos e outros procedimentos de boa governança corporativa, a fim de valorizar a adoção de mecanismos institucionais hígidos.

Assim, o controle democrático, inclusive das companhias sob tutela governamental, não é apenas uma possibilidade a ser almejada mas um imperativo jurídico a clamar por concretização, para a prevalência da transparência e da eficiência.

Esses valores, infelizmente, ainda estão distantes das práticas de algumas gigantes estatais brasileiras, que não publicam seus exagerados salários, escondem muitos de seus vultosos contratos, sujeitam-se a perniciosos cartéis privados e hesitam em estruturar um efetivo controle interno, em tardio descompasso com a caminhada de fortalecimento da cidadania apregoada pelo direito.

GUSTAVO UNGARO, bacharel e mestre em direito pela USP, é ouvidor-geral do Estado de São Paulo e membro titular do Conselho Nacional de Controle Interno. Escreveu "Responsabilidade do Estado e Direitos Humanos" (Saraiva, 2012)

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