Folha de S. Paulo


Paulo Nassar e Ricardo Camargo Mendes

Inovação digital e novas práticas de lobby

O Brasil vive um momento especialmente importante para as relações entre governo e setor privado. Isso se dá não pelo aumento dos escândalos de corrupção entre essas duas partes, mas principalmente por esses casos deixaram de ser varridos para baixo do tapete.

Agora, mais do que nunca, está claro que a solução para evitar desvios não está na separação total entre os setores público e privado, e sim no esforço de tornar essa relação mais transparente, mais "monitorável" e estratégica para ambos.

Independentemente de como é feito esse esforço -via regulamentação, novas legislações anticorrupção ou evolução natural das chamadas relações governamentais a partir das exigências de uma sociedade cada vez mais democrática-, vemos novas práticas e narrativas na área.

Não seria exagero afirmar que, como ocorre em outros campos, há uma disrupção em curso na forma como se faz lobby nos países em que a prática é regulamentada.

A revolução digital, um dos principais fatores que influenciam a discussão de uma nova narrativa, permite que agentes econômicos e sociais tenham acesso a dados e informações antes não disponíveis.

Por meio de ferramentas que rastreiam em tempo real tudo o que acontece em diferentes níveis de governo, é possível otimizar o trabalho de monitoramento e garantir maior sofisticação nas análises.

A partir da organização e análise do chamado Big Data, podemos elaborar argumentos e narrativas mais bem fundamentadas, identificando oportunidades para engajamento de forma construtiva.

O aumento da transparência nas agendas dos formuladores de políticas públicas tende a reduzir a importância das frequentes conversas individuais. Pelas tecnologias digitais, todos falam com todos, e a comunicação ganha mais importância nas estratégias de defesa de interesse.

Os conchavos a portas fechadas cedem lugar à mobilização de stakeholders (públicos de interesse de uma organização) com metas convergentes na defesa de uma causa. As redes sociais passam assim a desempenhar papel central, já que iniciativas promovidas em plataformas digitais, à velocidade de cliques, atingem milhões de cidadãos, formadores de opinião e agentes públicos.

Talvez o melhor exemplo dessa nova abordagem seja a plataforma Engine, liderada por empresas de tecnologia do Vale do Silício, que possibilita a união de grupos diversos em torno de ideias comuns.

Na mesma linha, ainda que visitas aos legisladores e formuladores de políticas públicas continuem importantes, devem perder eficácia para estratégias de comunicação dirigidas, difundidas em mídias tradicionais e redes sociais.

As antigas práticas de lobby, inclusive envolvendo atividades ilícitas, podem até persistir no Brasil e em outros países. No entanto, pelos riscos envolvidos, pelas limitações impostas por legislações ou por causa dos avanços tecnológicos, o lobby já depende muito menos das conexões privilegiadas que de processos e narrativas bem construídos, fundamentados e difundidos.

PAULO NASSAR é professor livre-docente da Escola de Comunicações e Artes da USP e diretor-presidente da Aberje (Associação Brasileira de Comunicação Empresarial)

RICARDO CAMARGO MENDES é mestre em relações internacionais pela Universidade de Cambridge (Reino Unido) e sócio da Prospectiva Consultoria

PARTICIPAÇÃO

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