Folha de S. Paulo


JOSÉ CARLOS ARAÚJO

Suicídio coletivo

A Câmara dos Deputados, infelizmente, vive momentos tristes e constrangedores. Refletindo sobre o atual cenário, pergunto-me angustiado: como pode um único homem concentrar tanto poder nas mãos a ponto de ameaçar as instituições e estremecer as bases que fundamentam a República? Que poder é esse que sustenta Eduardo Cunha?

Vou mais adiante. O que leva partidos políticos a se unirem para evitar que um parlamentar, cuja história recente está lavada de denúncias e acusações de corrupção, mentiras e manobras de todo o tipo, perca seu mandato?

Essas reflexões me levam a uma constatação: se confirmam os movimentos articulados para evitar a cassação de Cunha. A Câmara dos Deputados caminha, inexoravelmente, para a perda total da confiança do povo. Um sentimento de descrença nos eleitores.

Nesse mesmo paralelo, defensores do deputado afastado caminham para o abismo e pretendem levar junto homens honrados e histórias irretocáveis.

O sucessor de Cunha na presidência da Casa, o deputado Rodrigo Maia, anunciou para esta segunda (12) a votação do pedido de cassação do seu antecessor. Além de ser um dia atípico de sessões, a maioria dos parlamentares ainda está em seus Estados, envolvidos nas campanhas eleitorais municipais.

Conclusão: podemos ter uma sessão esvaziada e sem o desfecho desse caso que envergonha a sociedade e macula o Congresso.

Não tenho dúvida alguma sobre as boas intenções do presidente Rodrigo Maia, mas não há como negar que a movimentação para derrubar a sessão marcada se torna cada vez mais evidente.

Os aliados de Cunha continuam afiados. Agora pleiteiam adotar a votação fatiada usada no Senado no afastamento de Dilma Rousseff. Alguns defendem que, se ela foi afastada definitivamente do mandato, mas manteve os seus direitos políticos, a Câmara, por analogia, poderia adotar o mesmo entendimento, cassando Cunha sem deixá-lo inelegível.

Querem forçar uma situação que não cabe ser aplicada ao caso do deputado; tampouco encontrarão qualquer respaldo jurídico. A ex-presidente respondeu pelo crime de responsabilidade. No caso do parlamentar em questão, a análise está sob a égide da ética e do decoro.

Nos processos disciplinares, o plenário sempre votou o parecer oriundo do Conselho de Ética, portanto, não há como tratá-lo como proposição, passível de receber emendas com o intuito de mudar a decisão do colegiado.

Diante de tamanhas articulações, um questionamento feito por muitos: a que ponto um deputado afastado de suas funções consegue orquestrar tantas movimentações para salvar o seu mandato, em meio a diversos desgastes sucessivos?

Uma parte dos parlamentares talvez se manifeste favoravelmente a Cunha para evitar desavenças futuras ou por achar que os fatos evidenciados não justificam a perda de mandato. Outros podem agir apenas pelo espírito corporativista, motivados pela fala de Cunha em sua defesa: "Eu sou vocês amanhã...".

Independente das razões, é importante que nos façamos presentes à votação e possamos exercer nosso papel votando no processo de cassação. Precisamos fechar esse capítulo da nossa história e evitar que a nebulosidade continue a pairar no Congresso.

Isso me faz evocar um período tenebroso da história da humanidade. Cunha lembra-me certo manipulador nazista. As articulações perpetradas na Câmara me trazem à mente o trem que levava os judeus à morte. Estamos todos nesse trem a caminho do nosso Auschwitz, querendo ou não.

JOSÉ CARLOS ARAÚJO, deputado federal (PR/BA), é presidente do Conselho de Ética da Câmara dos Deputados

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