Folha de S. Paulo


DANILO PINHEIRO DIAS

Ministério Público não é o problema do país

O Mapa da Violência revela que quase 60 mil pessoas são assassinadas por ano no Brasil. Esse número espantoso nos coloca em condição semelhante à da Síria, país em guerra civil que destroçou a estrutura do Estado e sua capacidade de prestar serviços minimamente eficientes para a população.

No trânsito, a estimativa de mortes é semelhante ao número de pessoas assassinadas. Calcula-se -embora não haja precisão, por razões óbvias- que o desvio de recursos públicos pela corrupção seja da ordem de R$ 200 bilhões por ano.

Poderia ainda elencar um sem-número de outros graves problemas econômicos e sociais, relacionados, direta ou indiretamente, ao fenômeno da corrupção, todos merecedores de atenção dos homens públicos, mas paro por aqui. O descrito acima já é suficiente para o que se pretende demonstrar.

Neste estado de coisas, vozes se levantam para acusar, injustamente, o Ministério Público Federal de violar a ordem jurídica, de ser uma ameaça ao Estado de Direito. Tudo motivado pelo fato de que a instituição vem cumprindo, escrupulosamente, seu dever na investigação da Lava Jato -da mesma maneira que tem procedido em todos os casos submetidos à sua atribuição.

Pela primeira vez, a sociedade testemunhou a restituição de altas somas de recursos públicos desviados. Consolidou-se a percepção social de que o direito penal, no Brasil, também vale para ricos e poderosos.

Será mesmo que é preciso tolher o trabalho dos procuradores da República? É isso o que deseja a sociedade brasileira? Ou esse é o desejo recôndito de quem não suporta o efeito desinfetante da luz do sol, da transparência e da verdade?

O paciente não estará menos doente se afastar de si o médico que fez o diagnóstico; ao contrário, é provável que o autoengano faça a enfermidade recrudescer e leve a óbito.
Não nos parece que a prioridade nacional possa hoje migrar do combate à corrupção endêmica e à impunidade crônica para uma caça tresloucada aos procuradores da República. Que crime teríamos cometido?

Seria o imperdoável "delito" de procurar fazer o sistema penal funcionar como deve, de forma republicana e democrática? Ou, por outra, devemos purgar a boa autoestima institucional, decorrente dos bons serviços prestados?

Mais de 2 milhões de pessoas subscreveram as dez medidas de combate à corrupção, manifestando assim, de forma bastante eloquente e democrática, os caminhos a serem seguidos pelo Estado brasileiro. Se há alguém que está em dessintonia com a sociedade, certamente não é o Ministério Público Federal.

Não estamos acima da lei, não pairamos por sobre o bem e o mal. Penso até que os rigores da norma devam ser ainda mais firmes em relação aos membros da instituição: se erramos, devemos ser responsabilizados por isso como qualquer cidadão.

Só não se pode admitir que o Ministério Público sofra retaliação quando atua simplesmente para cumprir o dever legal. Dizer que o MP age com excessos, com abuso de autoridade, sem apresentar qualquer fundamento consistente que dê embasamento empírico a essa afirmação, é jogar palavras ao vento.

O fato a ser objetivamente considerado é que a investigação Lava Jato, mesmo submetida ao mais rigoroso escrutínio judicial de que se tenha lembrança, em todas as instâncias do Poder Judiciário, tem seguido normalmente seu curso sem o registro de qualquer nulidade.

Não podemos mais aceitar que a corrupção e a impunidade continuem a representar uma maneira peculiar de fazer política e de governar o Estado brasileiro e os destinos de nosso povo.

DANILO PINHEIRO DIAS, 43, especialista em gestão pública, é procurador regional da República

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