Folha de S. Paulo


editorial

Saneamento estagnado

A condição ainda provisória do governo de Michel Temer (PMDB) não o autoriza a descuidar das questões de Estado, como deveria ser a do saneamento básico. Como já diz a expressão, água limpa e esgoto tratado são responsabilidades fundamentais e inadiáveis do poder público, porém desde sempre negligenciadas no Brasil.

O presidente interino não dá sinais de que fugirá ao padrão insalubre. Com o pretexto da necessidade imperativa de reequilibrar as contas públicas deterioradas, o Planalto vetou subsídio que poderia canalizar R$ 2 bilhões anuais para tornar factível a meta de universalizar o serviço até 2033.

A provisão vetada integrava projeto de lei aprovado no Congresso que daria desconto pelos próximos dez anos na alíquota de PIS/Cofins a empresas de saneamento, como contrapartida por novas obras. Estima-se que o país precise investir R$ 14 bilhões anuais no setor para cumprir aquele objetivo, mas o dispêndio tem ficado na casa dos R$ 10 bilhões ao ano.

Os avanços são tão lentos que mais se assemelham a uma estagnação. De 2013 para 2014, por exemplo, aumentou apenas 1,5% –para 156,4 milhões de brasileiros– a parcela da população urbana com acesso à rede de água.

A média nacional de atendimento no presente fica em 83%. Não é grande coisa, tendo em vista que a região Sudeste já ostenta 91,7%. Os dados constam da última edição do "Diagnóstico dos Serviços de Água e Esgotos - 2014", publicação do Ministério das Cidades.

Bem pior é a situação da coleta de esgotos. Embora tenha crescido 3,7% entre os dois anos, o contingente servido pelas redes é de 96,8 milhões de pessoas, menos de metade da população nacional. O índice de atendimento marca um vergonhoso 49,8%%; mesmo no Sudeste, a região mais desenvolvida, ainda se encontra em 78,3%.

Ninguém contesta a necessidade do governo de evitar a perda de receitas, motivo alegado pelo Planalto para vetar o subsídio. Mas já passou da hora de mudar a mentalidade de que saneamento básico é despesa (entenda-se: sem retorno político-eleitoral), e não investimento. Estima-se que cada real despendido no setor permite economizar outros quatro alhures, por exemplo no sistema de saúde.

No ritmo atual de expansão das redes sanitárias, a almejada universalização pode atrasar mais 20 anos e só se completar em 2050. Não será o por ora interino, decerto, em apenas dois anos e meio de governo, quem vai saldar essa dívida centenária. Mas Temer pode, e deve, emitir os sinais corretos.

editoriais@grupofolha.com.br


Endereço da página:

Links no texto: