Folha de S. Paulo


ANDRÉ LUIZ MORAIS DE MENEZES e JOSÉ ROBALINHO CAVALCANTI

Avanço bem entendido

No Estado democrático de Direito, a advocacia é essencial e deve ser forte. Tomando por base essa premissa, da qual só um déspota discordaria, dois insignes advogados publicaram nesta Folha o artigo "Um avanço no direito de defesa".

Num dos trechos, afirmaram o seguinte: "a partir de agora, passa a ser necessário que o advogado tenha ciência dos atos investigatórios, com a consequente possibilidade de manifestação, garantindo-se a prerrogativa de apresentar razões e quesitos em relação a perícias e depoimentos no curso das investigações".

Essa seria, segundo os articulistas, uma das inovações trazidas com a lei nº 13.245/16, que alterou o estatuto da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).

Não há dúvida de que advogados possam tentar influenciar, no interesse de seus clientes, o rumo de investigações de qualquer natureza. Todavia, disso não decorre "ser necessário" que o procedimento contemple direitos próprios da instância judicial, como prazo para razões e intimação ou notificação dos interessados acerca de todo e qualquer ato.

O esclarecimento é pertinente porque, embora não se tenha afirmado com todas as letras, restou sugerido que a mudança legislativa foi rumo à "processualização" das investigações. Essa sugestão fica mais nítida ao se afirmar que ainda não foi "estabelecido o contraditório pleno ou superado o caráter inquisitivo das investigações".

Inovação dessa natureza iria na contramão dos anseios da sociedade, que, coberta de razão, pede mais agilidade nas apurações em geral. E agilidade não é sinônimo de atropelo de direitos.

Se o curso da investigação for lesivo, ou se seu resultado for frágil, o Judiciário haverá de o reconhecer -o mesmo Judiciário que decreta ou revoga prisões. Logo, não procede o paralelo entre a ausência de contraditório pré-processual e "prisões preventivas decretadas ao arrepio da lei".

Antes do processo em juízo, a finalidade da atuação estatal é amealhar provas -em favor, diga-se, do interesse da coletividade na resposta a condutas à primeira vista ilícitas. Se tais provas vierem a ser usadas contra o investigado, o contraditório sobre elas incidirá, como sempre incidiu, em caráter diferido.

Qualquer questionamento, tanto sobre a motivação quanto sobre a validade dos elementos de convicção, poderá ser feito na fase judicial.

Se assim é, calha perguntar: estando há algum tempo na pauta política a restrição aos recursos intermináveis, qual o sentido em duplicar a burocracia processual, aplicando-a também a uma etapa em que direitos não podem ser restringidos senão com aval judicial?

Embora não sejam regra, excessos ocorrem em investigações. No entanto, a contenção não virá com a criação de outro excesso, e sim com a perene reafirmação e refinação de direitos, missão para a qual os advogados são, de fato, indispensáveis.

Ao patrono que, por seus próprios meios, busque interagir com a apuração, a nova lei esmiuçou algumas prerrogativas, deixando mais claro que certos óbices não lhe podem ser arrostados sem justa causa.

Entender, porém, esse avanço como inauguração de um novo modelo pré-processual, além de não condizer com a moldura magna do sistema acusatório, tornaria ainda mais distante a desejável eficiência nas investigações.

Todo avanço no direito de defesa é bem-vindo se não for vazio ou não se limitar a impor ao escaldado cidadão um custo de fragilidade institucional.

ANDRÉ LUIZ MORAIS DE MENEZES é procurador da República

JOSÉ ROBALINHO CAVALCANTI é procurador regional da República e presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR)

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