Folha de S. Paulo


PAULO HARTUNG

A volta da responsabilidade fiscal

A renegociação de dívidas estaduais não deveria ter sido uma agenda reaberta no Brasil, até porque esse não é o maior problema por trás da crise fiscal dos Estados.

O alívio maior dado aos mais endividados, e também aos historicamente menos responsáveis com os gastos públicos, é o lado perverso do acordo firmado no último dia 20 de junho. O lado positivo é o que ele constrói para o futuro.

O acordo foi assentado em contrapartidas que buscam atacar o que é, de fato, o maior problema fiscal dos entes subnacionais: a folha de pessoal, aí incluída a Previdência.

No curto prazo, o projeto de lei que referendará o acordo contém contrapartidas capazes de estancar o avanço das despesas de pessoal. Também fortalece os ditames da Lei de Responsabilidade Fiscal.

O pano de fundo de tudo isso significa um reforço à preocupação de se honrar financeiramente o pagamento de salários, o que hoje é dúvida entre vários Estados.

No longo prazo, a adesão explícita dos Estados à PEC (proposta de emenda constitucional) enviada pelo governo federal para limitar gastos primários à variação da inflação, além de balizar um compromisso com a redução da dívida pública, assegura a possibilidade de convivermos com carga tributária e juros de equilíbrio menores no futuro.

Outros instrumentos negociados pelos secretários estaduais da Fazenda são ajustes nas vinculações de receitas e a possibilidade de diminuir salários proporcionalmente à redução de jornada -naqueles casos em que os limites legais com gasto de pessoal são ultrapassados.

A reforma previdenciária é outra agenda que não pode ser negligenciada. Além das propostas de reforma no regime geral, que passam pela adoção de uma idade mínima compatível com a expectativa de vida dos brasileiros, precisa haver convergência de regras para mudanças dos regimes próprios do serviço público. Nesse último caso, deve-se assegurar a revisão e o reequilíbrio dos regimes especiais de aposentadoria.

A agenda se completa com um instrumento especial aos que desejam reduzir dívidas, mas sem empurrar a conta para outras instâncias. Ao invés de buscarem artifícios, os Estados precisam aderir ao programa de desestatização do governo federal, tendo como atores o BNDES e a Secretaria Executiva do Programa de Parcerias e Investimentos. A desmobilização de ativos e a busca por acordos com o setor privado ficarão associadas à redução estrutural do endividamento.

Aos Estados em situação de solvência, com contas organizadas, faz sentido dar prioridade nas novas concessões de financiamento, sempre tendo em vista a continuidade futura do equilíbrio fiscal.

Por fim, não podemos perder o foco no elo mais profundo e permanente de todos: a volta do crescimento. Se a raiz da atual crise é o problema fiscal que mergulhou o país na maior depressão de sua história, somente o equacionamento das contas brasileiras no longo prazo trará confiança, mais investimentos, emprego, renda e receitas públicas.

Não adianta forçar a marcha por mais alívios de curto prazo, numa tentativa de pressionar um governo de transição. Será o verdadeiro abraço dos afogados.
A verdadeira agenda é a volta da responsabilidade fiscal.

PAULO HARTUNG, economista, é governador do Estado do Espírito Santo (PMDB), cargo que também ocupou de 2003 a 2010. Foi deputado estadual (1983-1991), federal (1991-1993) e senador (1999-2002)

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