Folha de S. Paulo


editorial

Burocracia sem remédio

Numa cidade de 12 milhões de habitantes, como São Paulo, não há de ser simples a logística para distribuir remédios gratuitos às farmácias estatais e garantir o acesso tempestivo a quem deles depende.

Falhas pontuais acontecem. Cabe ao poder público saná-las de pronto e por elas desculpar-se, sem recorrer a pretextos burocráticos para explicar a inoperância. Eles não têm como minorar o desconforto do doente que fica sem medicamento a que tem direito.

Tendo recebido queixas sobre remédios indisponíveis, o Ministério Público estadual tomou a iniciativa de investigar. Após visitar cinco unidades da prefeitura e uma do Estado, uma promotora constatou o desabastecimento de cerca de cem itens, numa lista de 400, alguns deles por até 180 dias seguidos.

No rol do que está em falta aparecem antibióticos, antitérmicos, antialérgicos e anticonvulsivantes, cujo fornecimento é de responsabilidade municipal, assim como imunoglobulina anti-hepatite B e morfina, do governo estadual.

Essa grave lacuna obriga pacientes e familiares a peregrinar de farmácia em farmácia. A alternativa é pagar o remédio do próprio bolso e, assim, desfalcar o orçamento.
Para mitigar o problema, a prefeitura conta com um sistema denominado Aqui Tem Remédio. Pela internet, a pessoa pode ver em que unidade se acha a medicação.

A própria Secretaria da Saúde, contudo, avisa que a informação se refere ao estoque do dia anterior e não dá garantia de que a busca será bem-sucedida. De todo modo, é uma forma mais humana de tratar contribuintes enfermos.

Não se pode dizer que o mesmo espírito tenha contaminado a reação das duas administrações ao inquérito civil aberto pela promotora. A secretaria municipal atribuiu o problema a atrasos de fornecedores, que diz ter multado.

A congênere estadual negou o desabastecimento, afirmou discordar da metodologia do Ministério Público e dividiu a responsabilidade com o governo federal: "O Estado não tem competência pela compra de todos os itens distribuídos nas farmácias estaduais, uma vez que a compra de certos medicamentos é de responsabilidade do Ministério da Saúde".

Alegações verazes, talvez, mas que não justificam as deficiências, porque tampouco serão inéditas. O bom administrador se antecipa a elas e assegura margem de segurança para manter o serviço, sem escudar-se na própria burocracia.

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