Folha de S. Paulo


LOURIVAL MACÊDO

O sequestro da EBC

Espanta-me ver tanta ênfase naqueles que vociferam contra o "golpismo" e hoje defendem, com indignação, um pluralismo que não praticaram na EBC (Empresa Brasil de Comunicação) ao longo dos últimos anos. Houve, isso sim, o sequestro de uma empresa pública por um grupo que representa uma corrente de pensamento.

A criação e difusão de conteúdos plurais que contribuam para a formação crítica das pessoas é missão que consta do planejamento estratégico da EBC, estampada em painéis decorativos nos corredores da empresa. Não foi o que vigorou, entretanto, no jornalismo praticado ao longo do governo Dilma Rousseff.

A origem da polêmica sobre o comando da EBC está na posse do diretor-presidente, Ricardo Melo, no dia 10 de maio, às véspera do julgamento da admissibilidade do processo de impeachment da presidente afastada pelo Senado.

Há que se perguntar o propósito da indicação, diante do afastamento iminente. Por certo, não foi a busca da pluralidade de informação e de visões o que motivou tal nomeação para o cargo que já estava vago há três meses. O antecessor, Américo Martins, ficou menos de seis meses na função e saiu por divergir das interferências do Palácio do Planalto.

À época, o sindicato dos jornalistas e a comissão de empregados da EBC publicaram nota conjunta para denunciar o "aparelhamento" da empresa e a indicação de nomes pela Secretaria de Comunicação do Palácio do Planalto para cargos de gestão e assinatura de contratos milionários.

Oriundo da antiga Radiobrás, jornalista com 37 anos de casa, sou testemunha de que o jornalismo da EBC foi tomado pela militância política. Há muito a TV Brasil, que arrebata defesas e discursos acalorados em favor da comunicação pública independente, adotou a prática do "jornalismo-militante".

Essa modalidade, mais passional do que profissional, direcionou a cobertura para áreas de interesse específico do governo. O espaço de opinião foi loteado entre comentaristas engajados, defensores do Planalto e da continuidade do projeto de poder lulo-petista.

Destaco que, nesses oito anos da EBC, sou o primeiro diretor de jornalismo oriundo do quadro permanente da empresa. Os demais, inclusive Ricardo Melo, foram "importados do mercado". E todos alardearam essa condição, como se não houvesse profissionais competentes, experientes e capazes entre os mais de 2.000 funcionários da EBC. Uma humilhação.

Ao assumir a diretoria, recebi apenas uma orientação. O diretor-presidente Laerte Rimoli, nomeado pelo presidente interino Michel Temer e depois afastado pela liminar do STF que garantiu a volta de Melo, garantiu-me que o petismo não cederia lugar ao peemedebismo, ao tucanismo ou a qualquer outro "ismo" que não o jornalismo e o profissionalismo. Foi o que me convenceu a aceitar a missão.

LOURIVAL MACÊDO é diretor de jornalismo da EBC (Empresa Brasil de Comunicação)

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