Folha de S. Paulo


Raül Romeva

Democracia em risco na Espanha

A Espanha está estacionada em um impasse político de malograda disputa, sem um final imediato à vista. Novas eleições acontecerão neste domingo (26) e, até que seja formado um novo governo, a inércia política continuará no país.

Também prolongam-se as tensões entre Espanha e Catalunha. Mesmo aprovada pelos parlamentos de ambas e confirmada pelos catalães em um referendo, nossa autonomia política vem sendo dramaticamente reduzida pelo Tribunal Constitucional espanhol desde 2010.

Em janeiro deste ano, fui nomeado ministro das Relações Exteriores do governo da Catalunha. Nossas próprias eleições parlamentares, pela primeira vez, deram maioria aos partidos pró-independência.

A coalizão que represento defende uma transição de 18 meses para a independência da Catalunha. Ao fim desse período, nossos cidadãos poderão confirmar a criação da República da Catalunha em novas eleições. Esse plano de ação veio após anos e anos de tentativas formais de se realizar um referendo de independência.

As pontes que ligavam Catalunha e Espanha foram, em grande parte, queimadas pela recusa de diálogo por parte do governo do Partido Popular e por sua negação de que exista um problema político em nossa comunidade.

O governo espanhol escondeu-se atrás de uma barreira de processos judiciais contra a Catalunha. Primeiro, na decisão contra nosso Estatuto de Autonomia, proferida por um Tribunal Constitucional com motivações políticas, que recentralizou poderes transferidos há tempos, aprovados pelo próprio Parlamento da Espanha.

Depois, uma série interminável de processos do mesmo tribunal levou à acusação de nossos ex-presidente e ex-ministros por não terem impedido um referendo informal de independência, realizado em novembro de 2014, com participação de quase 2,5 milhões de cidadãos.

O ataque legal mais recente foi uma tentativa de dificultar a atividade normal do Ministério das Relações Exteriores, negando ao nosso governo a capacidade de estabelecer relações internacionais, uma ferramenta básica de qualquer ator efetivo no mundo globalizado do século 21.

Se a Espanha for uma verdadeira democracia, tem de haver diálogo sobre um referendo de autodeterminação. Se o novo governo espanhol continuar enterrando a cabeça na areia, criará mais tensão, quando precisamos de negociações.

Nós, os catalães, estamos acostumados a negociar e encontrar pontos comuns com nossos interlocutores. Desejamos definir como e quando realizar um referendo de autodeterminação. De fato, 80% da população catalã quer um referendo.

Se o novo governo espanhol se recusar a conceder o referendo, a Catalunha seguirá o plano de ação de 18 meses para a independência, sem violência nem agitação.

A Catalunha pode se tornar um novo Estado da Europa. A democracia deve prevalecer, e o governo catalão pode assegurar que isso acontecerá sem vácuos políticos ou incertezas legais. Vamos de voto a voto, do marco legal existente a um novo marco legal. Chegou o momento.

RAÜL ROMEVA é ministro das Relações Exteriores do governo da Catalunha

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