Folha de S. Paulo


Lucas Amaral Batista Leite

A tristeza de Orlando

Quais apontamentos práticos permitiriam afirmar que Donald Trump sairá "beneficiado" pelo que aconteceu em Orlando? Ao meu ver, poucos e, portanto, o contrário seria mais provável. Façamos uma restituição e uma análise do ocorrido para demonstrar esse ponto de vista.

É possível afirmar que dificilmente teria havido ligação formal e direta entre o atirador e o Estado Islâmico ou outros grupos. Ele é o chamado de "lobo solitário", aquele que age sozinho, de forma premeditada e que possivelmente seria classificado como psicopata - que usa ou não de narrativas ideologizadas e/ou religiosas.

No caso de Omar Mateen, não acho que deveríamos afirmar se tratar de um atentado de cunho religioso ou fundamentalista, mas de um crime de ódio, com um nome muito próprio e que muitos têm evitado usar: homofobia.

Trump não sairá "beneficiado", pelo contrário, terá sua imagem ainda mais desgastada. O fato de Obama ser um dos presidentes mais populares da história dos Estados Unidos pesa muito na eleição que virá, e seu legado será essencial na campanha de Hillary Clinton e na coesão dos democratas.

O presidente dos Estados Unidos tem assumido posições mais assertivas em seu segundo mandato, e isso se traduziu em políticas abertamente pró-LGBT e contra a venda indiscriminada de armas de fogo.

Isso por si só já demarca território e contradiz o discurso republicado extremado de Trump, que em momento algum apresentou qualquer simpatia com o movimento LGBT e é firme defensor da compra e porte de armas por cidadãos americanos.

Obama e Hillary buscam desvencilhar o atentado do discurso do fundamentalismo islâmico. Demonstram empatia, solidariedade e firmeza quanto à necessidade de impedir que armas de fogo continuem sendo compradas livremente.

Trump faz o oposto, afirma categoricamente que o problema reside na questão das fronteiras, que os muçulmanos não compartilham qualquer traço de identidade ocidental e não teriam capacidade de assimilar a cultura e as ideias dos Estados Unidos.

Por fim, não é correto afirmar que Bill Clinton tenha sido o responsável pelo surgimento da Al Qaeda, ou que seu governo foi omisso em relação aos atos terroristas.

Foi justamente durante o governo Clinton que Osama bin Laden foi citado pela primeira vez nos documentos oficiais trocados pelas agências norte-americanas. Existem ainda cartas do próprio presidente ao Congresso americano pedindo com tom de urgência mais recursos para combater novas ameaças, o que não foi respondido à época.

Cabe ainda lembrar que foi durante o governo de George W. Bush que muitos recursos de agências importantes no combate ao terrorismo tiveram diminuição ou cortes.

Não concordo com a afirmação de que Trump sairá à frente de Hillary ou dos democratas.

O partido Democrata tem conseguido unificar o discurso e apontar que é justamente a narrativa do candidato republicano que incentiva e influencia atos de ódio e extremismo dentro dos Estados Unidos. A soma desses fatores é explosiva e tende a agravar questões muito sensíveis como as disputas raciais, por exemplo.

A cultura de definição do "eu" e do "outro" que Trump prega e defende faz muito mal a um país que ainda estanca cicatrizes abertas de muitas décadas e que agora vê mais uma ferida marcar seu histórico recente.

Hillary com certeza usará da narrativa extremada do seu opositor para reforçar seu ponto de vista, buscando se aproximar gradativamente de Barack Obama. Se não radicalizar o discurso, terá grandes chances de sair vencedora.

LUCAS AMARAL BATISTA LEITE, 29, é professor de relações internacionais da Fundação Armando Álvares Penteado e das Faculdades Integradas Rio Branco

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