Folha de S. Paulo


ROBERTO LIVIANU

Não existe o direito à impunidade

Todos têm direito à ampla defesa, ao contraditório no devido processo legal e ao duplo grau de jurisdição. Ninguém, no entanto, tem o direito de querer ficar impune. Simplesmente não existe o direito à impunidade.

As velhas práticas absolutistas deram lugar, há séculos, ao novo direito à justiça, ao processo equilibrado, leal, eficiente e humanista, baseado em sólidos princípios. O poder do Estado precisa ter limites para acusar e punir, sim.

Não se pode permitir, todavia, que prevaleça a lógica da protelação ardilosa, alimentada pela máquina de recursos infinitos.

De um lado, a faceta mais enaltecida do garantismo -o direito à ampla defesa dentro de um processo equânime. De outro, o direito à eficiente defesa do grupo social. O grande desafio é o encontro do ponto de equilíbrio.

Na dinâmica do duplo grau de jurisdição, os condenados em primeiro grau têm direito a recurso aos tribunais. No Brasil, há ainda, depois de examinados os fatos e o direito em dois graus, a possibilidade de questionar, no STF (Supremo Tribunal Federal), violações à Constituição e, no STJ (Superior Tribunal de Justiça), violações a leis federais.

Temos, por um lado, o princípio da presunção de inocência/não culpabilidade. Por outro, a efetividade da decisão judicial, que, na maioria dos casos, não se concretiza na prática, em virtude de infinitos recursos e recursos de recursos interpostos pelas partes.

Em 17 fevereiro deste ano, o STF decidiu que a prisão de condenados deve ocorrer depois que a sentença for confirmada em um julgamento de segunda instância, ou seja, antes de se esgotarem todos os recursos possíveis da defesa.

A nova interpretação dada conciliou a tutela do réu, ao qual é assegurado o direito de recorrer, bem como a defesa social, especialmente no combate à impunidade. Equilibra a ampla defesa e a razoável duração do processo, a fim de evitar abusos e infinitas revisões da mesma decisão.

Precisamos valorizar e fortalecer as duas instâncias da justiça. Não são meras rotas de passagem antes do STJ e STF. Analisam profundamente os fatos e o direito. É justo e razoável que a condenação pelos tribunais afaste a presunção de inocência.

Para o ministro Teori Zavascki, a manutenção da sentença pela segunda instância encerra a análise de fatos e provas. Acrescentou ainda que "em nenhum país do mundo, depois de observado o duplo grau de jurisdição, a execução de uma condenação fica suspensa, aguardando referendo da Suprema Corte". Afinal, direito é, acima de tudo, razoabilidade e bom senso.

Com a decisão, o Brasil optou pelo caminho do justo equilíbrio entre as garantias do réu e as do Estado de Direito, tendo-se constatado grande número de preciosas colaborações premiadas a partir da decisão em foco.

Vale registrar que na França, berço do iluminismo, permite-se a expedição do mandado de prisão mesmo quando pendentes recursos. Nos Estados Unidos, a presunção de inocência possui espaço no CPP (Código de Processo Penal) do país, mas decisões condenatórias são executadas imediatamente.

Na Espanha vigora o princípio da efetividade das decisões, sendo admitido até mesmo que o absolvido em instância inferior possa ser mantido em prisão, preventivamente determinada, a depender do efeito que é atribuído ao recurso.

No Canadá, após a sentença de primeiro grau, a pena é automaticamente executada, tendo como exceção a possibilidade de pagamento de fiança, em raríssimos casos. O CPP alemão prevê o efeito suspensivo só em alguns recursos, sendo que os recursos aos tribunais superiores não têm efeito suspensivo.

Reexame do tema previsto para esta quarta (22) no STF abre brechas para um retorno à interpretação anterior. Seria um grave retrocesso, um golpe mortal na Operação Lava Jato e no combate à corrupção.

Com a palavra, o STF.

ROBERTO LIVIANU, 47, é promotor de Justiça em São Paulo, doutor em direito pela USP e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção

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