Folha de S. Paulo


Marcus Vinícius de Freitas

Orlando, uma nova etapa do terrorismo

Donald Trump, o candidato fleumático do Partido Republicano, poderá ser, politicamente, o grande beneficiário do atentado ocorrido em boate gay de Orlando, na Flórida, no último domingo (12).

Não somente por seu apelo à maioria silenciosa branca estadunidense, que se ressente de Barack Obama e do "establishment republicano", mas também pela percepção de que o seu partido tende a ser mais efetivo em questões de defesa e de combate ao terrorismo.

Trump pode, ainda, apelar à memória popular de que a Al Qaeda floresceu durante o período em que Bill Clinton, marido da atual candidata democrata Hillary Clinton, era presidente. Seria um golpe duro aos democratas.

Após o atentado terrorista de 11 de março de 2004, na Espanha, por exemplo,o cenário eleitoral mudou drasticamente. Perdeu quem estava no poder.

O discurso de Obama, em favor de maior controle no acesso a armas, não bastará para cercear o comércio, pois não resiste a um questionamento mais aprofundado. A disponibilidade não implica necessariamente criminalidade; trata-se de um salto intelectual inverídico. Já os republicanos persistirão na tecla da incapacidade de os democratas protegerem o país.

O atentado desestabiliza, mais uma vez, a imagem de invulnerabilidade dos Estados Unidos. Como é possível que alguém, um possível lobo solitário, que estava no radar de monitoramento do FBI, uma agência governamental com um aparato de inteligência inigualável, consiga comprar armas com tamanha facilidade? Por que o autor do massacre, Omar Mateen, que chegou a integrar uma lista de possíveis suspeitos de terrorismo,deixou de ser vigiado?

Questionamentos assim serão acrescidos à análise, particularmente difícil, da razão pela qual cidadãos, de primeira ou segunda geração -e não mais imigrantes-, sentem-se atraídos pela causa do Estado Islâmico, e não pelos valores das sociedades em que foram criados e ensinados.

A questão migratória, enfatizada desde o início das prévias eleitorais por Trump, voltará, por certo, à baila muitas vezes, apesar de ser um argumento falacioso.

Em 2015, houve 372 tiroteios, com 475 mortos e 1.870 feridos nos EUA. Fatores domésticos, e não os muçulmanos, são a causa do problema. Trata-se de uma violência doméstica elevada -mas muito menor do que a brasileira, ressalto-que não pode ser jogada para debaixo do tapete.

Aliar o islamismo ao radicalismo é uma tentação precipitada. Todas as religiões apresentam, em sua história, radicalismos. O problema está na leitura e interpretação dos livros sagrados. Afirmar que o islamismo é uma religião retrógrada e radical é desconhecer a enorme contribuição dada por vários de seus membros ao aperfeiçoamento da humanidade.

É preciso combater o radicalismo na origem. Do contrário, a luta será em vão. Querer associar o radicalismo religioso à intolerância a determinados grupos sociais também é receita para um confronto social maior. É preciso muito cuidado para evitar radicalismos. Dos dois lados.

Observam-se, ainda, algumas importantes mudanças no modo operacional desses ataques. Em primeiro lugar, o incentivo do Estado Islâmico à atuação de lobos solitários, vinculados ou não à rede (terrorismo doméstico), na modalidade "ataques inspirados pela organização".

Além disso, os atentados, de menor escala, tenderão a ser realizados em áreas turísticas, que atraiam maior visibilidade e o interesse da opinião pública internacional. É uma importante alteração na forma de agir. Trata-se de um alerta vermelho para a organização da Olimpíada no Brasil.

MARCUS VINÍCIUS DE FREITAS, 48, é professor de direito e relações internacionais da Fundação Armando Alvares Penteado - Faap

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