Folha de S. Paulo


NAERCIO MENEZES FILHO

Governo deve desvincular gastos obrigatórios em educação e saúde? NÃO

Os gastos do governo federal cresceram mais do que as receitas nos últimos anos, o que ajudou a provocar a recessão atual. A nova equipe econômica propôs estabelecer um teto para o crescimento das despesas públicas, em linha com a inflação. Para isso, será necessário quebrar os vínculos dos gastos de educação e saúde com as receitas da União, dos Estados e municípios. Será que isso faz sentido?

Faz todo o sentido limitar o crescimento dos gastos do governo para não agravar a crise econômica. Além disso, é necessário aumentar a produtividade do gasto público, pois o governo tende a ser muito ineficiente em várias áreas.

Entretanto, não deveríamos acabar com o sistema de vinculação dos gastos em educação e saúde ao crescimento das receitas, por vários motivos.

Em primeiro lugar, os gastos vinculados em educação e saúde não foram os principais responsáveis pela crise fiscal. Os recursos aplicados na saúde estão estáveis em relação ao PIB há vários anos; já os destinados à educação aumentaram acima da vinculação nos últimos anos por conta de programas equivocados, que devem ser reduzidos.

Os maiores responsáveis pelo aumento nas despesas federais foram os benefícios previdenciários e assistenciais e os subsídios.

Em segundo lugar, os gastos em educação e saúde beneficiam milhões de brasileiros que não podem pagar por esses serviços. Esses recursos são concentrados nas famílias mais pobres, as que mais necessitam de investimentos para que possamos promover mais igualdade de oportunidades e o aumento da produtividade do país.

Em terceiro lugar, o sistema de vinculação tem funcionado muito bem. A Constituição de 1988 vinculou 18% das receitas do governo federal e 25% das receitas dos Estados e municípios a gastos educacionais. Quando as receitas aumentam, os gastos também podem aumentar.

Esse sistema foi aperfeiçoado pelo ministro da Educação Paulo Renato Souza (governo FHC) por meio do Fundef, fundo de desenvolvimento do ensino fundamental que transferiu recursos dos municípios mais ricos com poucos alunos para os mais pobres com muitos alunos. Depois o fundo foi substituído pelo Fundeb, que incluiu a educação infantil e o ensino médio.

Como resultados dessas políticas, as matrículas aumentaram bastante em todos os níveis. Será que deveríamos desmantelar um sistema que levou 30 anos para ser construído para resolver um problema fiscal que não foi causado por ele?

O quarto ponto: com essa proposta de desvinculação, se a inflação se estabilizar e o PIB voltar a crescer, os gastos em educação e saúde iriam diminuir cada vez mais como proporção do PIB, já que seus benefícios são dispersos e seus defensores têm menor poder de barganha no Congresso.

Basta examinar nossa história social antes de 1988. Os constituintes criaram as vinculações para evitar a escassez de recursos em setores tão fundamentais. Para amarrar as próprias mãos. Num mundo ideal, essas vinculações não seriam necessárias. Nossos políticos, entretanto, estão muito longe desse ideal.

Em suma, temos que avaliar todos os programas existentes nas áreas de educação e saúde de forma rigorosa, pois mais gastos não significam necessariamente melhores resultados. Temos que reformar urgentemente a Previdência e auditar todos os subsídios existentes.

Todavia, não deveríamos eliminar as vinculações em um momento em que a Câmara aprova um reajuste para os servidores que custará R$ 58 bilhões nos próximos anos. Isso não seria justo.

NAERCIO MENEZES FILHO, doutor em economia pela Universidade de Londres, é coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper e professor associado da Faculdade de Economia e Administração da USP

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