Folha de S. Paulo


MARIA ALICE SETUBAL

A invisibilidade das periferias

As periferias são partes integrantes da percepção dos moradores sobre como a cidade está organizada e estruturada. É o que mostra pesquisa do Datafolha em diferentes regiões da cidade de São Paulo.

No Brasil de hoje, o sucesso do hip-hop e do funk possibilitou que músicas, letras e coreografias criadas nas periferias alcançassem sucesso nacional. No entanto, para as políticas públicas, as áreas periféricas continuam invisíveis.

Os dados da pesquisa revelam que a percepção sobre elas ainda é majoritariamente negativa, uma vez que as periferias são vistas como locais pobres, sem infraestrutura, violentos e ruins para se morar.

Levando-se em conta que dados estatísticos confirmam uma pior qualidade de vida nesses bairros da cidade, é relevante destacar que 70% dos entrevistados acreditam que as periferias deveriam receber mais investimentos públicos que o restante da cidade. Isso nos confirma a existência de uma desconexão entre as demandas da população como um todo e a alocação de poder, das políticas e dos recursos financeiros e humanos.

Diante disso, em um ano de eleições municipais, as políticas públicas com foco no território são o tema do "Seminário Internacional Cidades e Territórios: Encontros e Fronteiras na Busca da Equidade", a ser realizado pela Fundação Tide Setubal e a Folha nesta terça (14).

A experiência da Fundação, a partir de sua atuação em São Miguel Paulista, na zona leste de São Paulo, demonstra que avanços nas áreas social, econômica, educacional ou cultural poderão alcançar melhores resultados com políticas que levem em conta o território, ou seja, a história, os valores e as características sociais, políticas, econômicas, ambientais e culturais de cada lugar.

Tais políticas devem ser personalizadas, criadas a partir da escuta à comunidade e da construção conjunta com moradores, lideranças e profissionais locais, por meio de uma metodologia baseada no respeito ao outro e no diálogo contínuo.

Essa forma de chegar ao território, abrindo-se para ouvir e entender o lugar e suas relações e mobilizando a participação, constrói vínculos de confiança, essenciais à sustentabilidade de todas as ações e parcerias, elevando, assim, as chances de bons resultados.

Em face da complexidade da atuação em áreas de alta vulnerabilidade social, as parcerias são fundamentais para agregar diferentes competências, alcançar mais profissionalização e ampliar o impacto e a escala das iniciativas.

Outro aprendizado em uma década em São Miguel é que as políticas públicas precisam incluir em seus desenhos a valorização do conhecimento e da formação de pessoas como possibilidade de emancipação. Munidos de informação e qualificação, os cidadãos poderão descortinar diferentes mundos possíveis de se viver e atuar de uma forma autônoma.

Nesse cenário, é urgente, portanto, que as periferias e sua integração nas cidades estejam bem no centro do debate político atual, ainda mais em um momento de busca de saídas para as crises econômica e política. Temos de preservar os ganhos sociais, educacionais e de saúde e avançar mais no desenho dessas políticas.

Nesse contexto, o papel do investimento social privado, executado por empresas, institutos e fundações, deve ser o combate às desigualdades sociais em um modelo de desenvolvimento sustentável ao lado do poder público. O principal objetivo das ações no campo social é a equidade, pois só assim a eficiência, a meritocracia e os resultados podem fazer sentido.

MARIA ALICE SETUBAL, a Neca, doutora em psicologia da educação pela PUC-SP, é presidente dos conselhos do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária - Cenpec e da Fundação Tide Setubal. Foi assessora de Marina Silva, candidata à Presidência em 2014

PARTICIPAÇÃO

Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br.


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