Folha de S. Paulo


Vinicius Marques de Carvalho

Em defesa da concorrência

No próximo domingo (dia 29), a lei 12.529, que reestruturou o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), completa quatro anos de aplicação. Encerro, neste mesmo dia, meu mandato como presidente do conselho. Difícil não ceder à tentação de fazer balanços, prestar contas e, afinal, refletir sobre as perspectivas da política de defesa da concorrência.

Nesse período, o Cade foi reconhecido como uma das melhores autoridades antitruste do mundo, recebeu o prêmio de agência do ano pela principal publicação internacional da área, além de prêmios por transparência e eficiência na gestão conferidos pela CGU (Controladoria-Geral da União) e pela Escola Nacional de Administração Pública.

Essas conquistas constatam a prestação de um serviço de qualidade para a sociedade. Ao aproximarmos a lente, veremos a combinação de visão estratégica com planejamento, monitoramento de resultados e, sobretudo, com a capacidade de adaptação e engajamento dos servidores do órgão e da sociedade civil.

O objetivo do Cade nesses quatro anos foi investir em eficiência e efetividade. O primeiro passo nessa trajetória foi a adoção da análise prévia de atos de concentração econômica. O abandono do modelo anterior de análise a posteriori gerou um grande receio de que negócios fossem paralisados, mas não foi o que aconteceu. Montamos um sistema em que os atos de concentração são aprovados em 30 dias, prazo muito inferior à média anterior de 154 dias.

Os ganhos de eficiência viabilizaram uma maior efetividade no combate a condutas anticompetitivas, especialmente cartéis, com foco em setores da economia vulneráveis a esse tipo de ilícito, como alimentos da cesta básica (sal e trigo), combustíveis, energia elétrica, licitações públicas, entre outros.

Além disso, a remodelação da política de acordos com empresas investigadas foi exitosa. Frise-se que, a partir de 2013, as empresas que desejam negociar esses acordos com o Cade devem, além de realizar uma contribuição pecuniária, reconhecer sua participação na conduta e colaborar efetivamente com as investigações.

O ganho para a sociedade é evidente. Somente em 2015, foram quase 70 acordos e, desde 2012, o Cade vem dobrando, ano a ano, sua arrecadação, chegando a mais de R$ 500 milhões no ano passado.

Contudo, não é só de números que vive a defesa da concorrência. A construção de instituições deve ser permeada pelo enraizamento de valores. E aqui o desafio permanece, embora não mais intacto. Os escândalos recentes, por exemplo, demonstram que frequentemente a corrupção na esfera pública tem uma conexão direta com a corrupção dos mecanismos de competição pelo acesso ao mercado.

Se a corrupção do poder político e do poder econômico andam de mãos dadas, o seu enfrentamento exige coordenação. Creio que essa é a agenda daqui para frente, que deve ser abordada em duas dimensões.

A primeira diz respeito à coordenação da atividade repressiva e ao aprimoramento das instituições responsáveis. De outro lado, há a coordenação da dimensão preventiva. Uma agenda pró-competitiva envolvendo órgãos reguladores em sentido amplo é premente. Com uma estrutura adequada, o Cade pode assumir definitivamente o protagonismo da promoção da concorrência em vários setores da economia.

E os órgãos reguladores também podem desenvolver estratégias nesse sentido. A cultura competitiva não se instaurou em país algum por obra exclusiva das autoridades antitruste.

VINICIUS MARQUES DE CARVALHO professor da Faculdade de Direito da USP, preside o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) até o próximo domingo (29)

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