Folha de S. Paulo


SERGIO DUARTE

Obama em Hiroshima

O presidente Barack Obama visitará Hiroshima nesta sexta (27). Esse gesto inédito tem um profundo significado moral e político, que não deve passar despercebido pela consciência universal.

Em abril de 2009, o próprio Obama declarou o firme compromisso de seu país com o projeto de um mundo livre de armas nucleares, o que lhe valeu o Prêmio Nobel da Paz. Esse deverá ser o principal legado de sua gestão.

Os Estados Unidos sempre alegaram que o ataque atômico de 1945 a Hiroshima e Nagasaki apressou o fim da guerra no Pacífico, poupando assim as vidas de militares e civis de ambos os lados do conflito.

Diversos analistas, por outro lado, argumentam que a rendição japonesa foi resultado, na verdade, do conflito do país com a Rússia. Seja como for, caberá algum dia a historiadores desvendar a verdadeira motivação e a filósofos julgar a moralidade do ataque, que deu origem à era do terror nuclear.

Para a humanidade como um todo, é motivo de grave preocupação o fato de que hoje nove países possuem armas atômicas (Estados Unidos, Rússia, China, França e Reino Unido, Israel, Índia, Paquistão e Coreia do Norte). Todos eles consideram esse armamento indispensável para a própria segurança.

As doutrinas militares dessas nações contemplam a possibilidade do uso dessas armas nas circunstâncias que considerarem convenientes, mesmo contra aqueles que delas não dispõem. Esses nove países não parecem dispostos a aceitar compromissos internacionais que os obriguem ao completo desmantelamento de seus arsenais.

O restante da comunidade das nações, inclusive o Brasil, comprometeu-se formalmente em diversos instrumentos jurídicos regionais e globais, principalmente no Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), a não obter esse armamento e a submeter-se a inspeções a cargo da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).

Os signatários daquele instrumento que já possuíam tais armas prometeram fazer esforços no sentido do desarmamento. Até o momento, porém, os progressos são considerados insuficientes.

O direito internacional humanitário não proíbe especificamente o uso de armas nucleares. As regras gerais aplicáveis em situações de conflito armado, porém, disciplinam a forma pela qual qualquer armamento pode ser usado e definem as medidas que devem ser tomadas para limitar seu impacto sobre as populações e bens civis.

As principais normas proíbem ataques diretos contra civis e o uso indiscriminado de armas. Estabelecem também regras de proporcionalidade no emprego da força, de proteção ao meio ambiente e a obrigação de tomar as precauções possíveis na condução de ataques.

A presença do presidente norte-americano em Hiroshima, sem dúvida, dará incentivo aos muitos governos e movimentos que há alguns anos vêm propondo, nas reuniões das Nações Unidas, a completa eliminação de todas as armas nucleares, com base em considerações de caráter humanitário.

Obama deverá ouvir depoimentos de sobreviventes da tragédia nuclear e visitar o impressionante museu que guarda o testemunho da devastação causada pela detonação de um engenho equivalente a 15 mil toneladas de TNT -uma pequena fração da potência de destruição de cada uma das 16 mil bombas atômicas ainda hoje existentes no mundo.

A visita presidencial não apagará os vestígios do passado, mas poderá estimular um novo compromisso dos países armados para trabalhar em consonância com a comunidade internacional em favor do desarmamento nuclear.

SERGIO DUARTE é embaixador. Foi Alto Representante das Nações Unidas para Assuntos de Desarmamento

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