Folha de S. Paulo


Sérgio Almeida

As vantagens da diversidade

Você precisa contratar um grupo de ministros? Por um instante, suponha que sim. Quem você contrataria? Naturalmente, pessoas competentes, que "sabem o que estão fazendo". Gênero, cor, religião, orientação sexual... nada disso deveria ser relevante para sua escolha, certo?

Afinal, não há razão para acreditar que traços físicos e preferências afetem a aptidão profissional dos candidatos. Seu objetivo, afinal de contas, é formar um ministério de "notáveis", e não selecionar atores para uma campanha da Benetton.

O raciocínio faz sentido. E foi dele que parece ter se servido o presidente interino Michel Temer ao formar seu ministério. Entre os escolhidos não há negros nem mulheres.

A decisão recebeu críticas. Houve, contudo, quem visse os reclames por diversidade na equipe ministerial como desimportantes, mera exigência para satisfazer as preocupações, frequentemente irritantes, com o "politicamente correto".

Provocar a ira de feministas e ativistas de minorias não foi, entretanto, o principal problema. Antes fosse. O pecado principal da escolha está em ter "deixado sobre a mesa" dois importantes benefícios que a diversidade provavelmente traria para o governo interino.

O primeiro benefício seria o de ter um time mais criativo e hábil na solução de problemas. Diversidade nada mais é do que um mix heterogêneo de pessoas. Há evidências de que nossos processos de raciocínio e solução de problemas melhoram quando operamos em meio a pessoas diferentes.

Como? Reduzindo nossas tendências à conformidade (de imitar outros, mesmo quando estão errados) e nos induzindo a refletir mais criticamente e a desenvolver nossas próprias ideias.

Esse tipo de benefício ecoa em outros estudos sobre diversidade no ambiente de trabalho e na prática de grandes organizações públicas e privadas. Tanto o governo britânico quanto a Coca-Cola, por exemplo, possuem políticas explícitas de recrutamento e promoção para criar um ambiente de trabalho que reflita a diversidade da comunidade.

O segundo benefício seria o de aumentar o apoio político da população ao seu governo. A ideia é simples: quanto mais a população se vê representada no ministério, mais ela tende a apoiar as políticas públicas implementadas pelo governo. Ao não apresentar ao menos alguma diversidade que refletisse atributos da população, o governo interino recebeu publicidade negativa. Foi custoso politicamente -tanto que parece haver um esforço agora para incluir mulheres.

É possível, entretanto, que a falta de diversidade não reflita machismo do presidente interino pessoalmente, mas dos partidos. Como assim? Ora, o presidente quer ministros "competentes". Mas "competência", nesse contexto, é mais do que ter habilidade gerencial e a confiança dele.

É capital político, o que está em geral na mão de caciques partidários. Se tais posições forem dominadas por homens -e agradar aos partidos é uma restrição da qual Temer não consegue escapar-, fica fácil compreender como chegou-se a um ministério só de homens.

Faltou, de certo, um pouco de pró-ativismo para evitar o custo político -afinal, é improvável que não houvesse pelo menos meia dúzia de mulheres aptas para os cargos.

Tal como as controversas campanhas da Benetton, a escolha ministerial de Temer recebeu muita atenção. Não pelas razões certas.

A falta de diversidade sombreou anúncios importantes do governo interino e o privou de benefícios que custariam muito pouco. Quando se está em crise fiscal, esse tipo de pechincha não se perde.

SÉRGIO ALMEIDA é professor de teoria microeconômica na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP. É doutor na área de economia comportamental e experimental pela Universidade de Nottingham (Reino Unido)

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