Folha de S. Paulo


editorial

Na base da ideologia

A educação pública no Brasil padece de muitos males, a começar por sua ineficiência na missão fundamental de dar aos alunos o domínio da língua e da matemática.

A ela se soma, em muitos centros, a predominância entre educadores de uma cultura esquerdista que os leva a confundir seu papel em sala de aula com o de doutrinadores. Como definiu sem rodeios um sindicato do ramo, o professor seria um "personagem indispensável nas lutas de classe".

Contra isso se insurge o Escola sem Partido. Ocorre, porém, que o movimento vem fomentando a edição de leis municipais e estaduais que não só não resolvem o problema como também suscitam suspeita pertinente quanto a seu caráter autoritário.

Legislação dessa natureza acaba de ser adotada em Alagoas. Na Câmara dos Deputados, em pelo menos nove Assembleias Legislativas e 17 Câmaras Municipais tramitam projetos contra "doutrinação ideológica" em matéria política, religiosa ou sexual.

A norma alagoana estipula como dever do professor "abster-se de introduzir (...) conteúdos que possam estar em conflito com as convicções morais, religiosas ou ideológicas dos estudantes ou de seus pais ou responsáveis".

Com essa generalidade, qualquer um poderia exigir a punição do docente que ensinar aos alunos os princípios do evolucionismo darwiniano, a anatomia da genitália humana, o pensamento de Karl Marx ou o reconhecimento legal de relações homoafetivas.

Tais conteúdos factuais decerto conflitam com crenças e valores de alguns pais de alunos; no mundo atual, contudo, não haveria por que vedá-los, inclusive em escolas públicas. O Estado é leigo e não pode se pautar pelas convicções morais de indivíduos.

Ao vedar "a prática de doutrinação política e ideológica", a legislação defendida pelo Escola sem Partido incorre num paternalismo em contradição com a orientação liberal que diz inspirá-la.

Não se combatem eventuais abusos da liberdade docente com leis vagas e punitivas. Nenhuma norma será capaz de definir de modo operacional o que seja ou não seja ideologia em sala de aula, nem substituirá o diálogo dos pais e dos alunos com professores e diretores.

Espera-se que a Base Curricular Comum ora em discussão, ao fixar o conteúdo mínimo que todo aluno tem direito de aprender, venha a dar mais clareza sobre o que nenhum professor pode omitir e nenhum pai tem o poder de censurar baseados apenas em suas inclinações particulares.

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