Folha de S. Paulo


editorial

Inventário de impactos

Em meio à atmosfera política tempestuosa no Planalto, passou despercebida a publicação da esperada Terceira Comunicação Nacional à Convenção do Clima.

O documento, conhecido como inventário de gases do efeito estufa, estima as emissões brasileiras agravadoras do aquecimento global. Deveria ter sido apresentado à ONU em dezembro de 2014.

Muito se especulou sobre as razões do atraso. Fato é que o governo da presidente Dilma Rousseff (PT) já dispunha dos dados antes de se realizar a Conferência de Paris, em dezembro passado.

O encontro adotou inédito acordo em que 195 países assumem compromissos voluntários para combater uma mudança perigosa do clima. No caso do Brasil, redução de 37% nas emissões até 2025, tomando por base o total de 2005.

Precisamente essa linha de base sofreu significativa alteração com o inventário mantido em sigilo.

Pela versão anterior, o total de emissões nacionais em 2005 havia sido equivalente a 2,1 bilhões de toneladas de dióxido de carbono (GtCO2, em notação abreviada). Na terceira comunicação, com metodologia aperfeiçoada, a cifra saltou 28,6%, para 2,7 GtCO2.

Em aparência, o novo dado implicaria um esforço maior do país, que necessitaria deixar de emitir 1 GtCO2, e não mais 0,78 GtCO2. No entanto, o total absoluto de emissões a ser alcançado em 2025 se torna mais favorável para o Brasil, pois ficaria em 1,7 GtCO2, contra 1,3 GtCO2 antes previsto.

Ora, a poluição climática produzida aqui se acha desde 2010 muito abaixo de 1,7 GtCO2, graças sobretudo à diminuição acentuada nas taxas de desmatamento da Amazônia. Na prática, o novo inventário demandaria pouco empenho adicional dos setores público e privado para cumprir a meta nacional.

Para "transformar nossas ambiciosas aspirações em resultados concretos", como discursou Dilma na ONU, o ideal seria o governo reafirmar a meta, em termos absolutos, de que o país não emitirá mais que 1,3 GtCO2 em 2025.

Seria a melhor forma de atestar o compromisso nacional com o combate à mudança do clima global, que tende a infligir danos maiores às populações mais pobres.

No Brasil, por exemplo, prevê-se impacto acentuado no semiárido nordestino. A temperatura na caatinga poderá elevar-se 3,5°C a 4,5°C até 2100, e as chuvas, recuar 40% a 50% –um desastre para seus mais de 56 milhões de habitantes.

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