Folha de S. Paulo


editorial

A última de Cunha

Diversos motivos de vergonha macularam, durante a sessão da Câmara dos Deputados no domingo (17), uma decisão que se reveste de extrema gravidade e de incontestável legitimidade constitucional.

Já se comentaram exaustivamente as incidências do ridículo e do provinciano nas declarações de voto dos deputados –e merece não apenas repúdio, mas um movimento de asco, a homenagem feita a um torturador da ditadura militar.

Tem consequências mais duradouras, porém, e constitui uma das maiores aberrações de todo o processo, o fato de que na direção dos trabalhos do impeachment de Dilma Rousseff (PT) se encontrava Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

Não só entre os adversários do afastamento da presidente, mas também entre os que a querem fora do governo, a presença de Cunha é vista como incompatível com qualquer ideal de moralidade pública.

Também a imprensa internacional aponta sem hesitações o paradoxo de que um réu no Supremo Tribunal Federal, acusado de receber propinas milionárias, tenha sido o regente de toda a cerimônia.

Novo e engenhoso argumento de Eduardo Cunha ameaça, agora, dificultar ainda mais a sua cassação. Um aliado do peemedebista determina que do processo sejam excluídos documentos que o envolvem no escândalo do petrolão.

Por esse raciocínio, o Conselho de Ética da Câmara deverá analisar apenas a acusação de que Cunha mentiu na CPI da Petrobras, quando negou vínculos com contas bancárias na Suíça; os capítulos sobre corrupção ficarão de fora.

Reproduz-se assim a lógica que o próprio Cunha utilizou na análise do pedido de impeachment de Dilma. O documento elencava suspeitas diversas contra a presidente da República; o peemedebista admitiu formalmente apenas aquelas relativas às manobras fiscais, embora na prática a petista tenha sido avaliada pelo conjunto da obra.

Que seja: a flagrante mentira do presidente da Câmara e a esfarrapada desculpa que a sucedeu bastam para destituí-lo do cargo. Cunha negou ter contas em seu nome na Suíça; estas são descobertas –não sob sua titularidade, mas de empresas sob seu controle.

A estripulia macunaímica constituiria, em qualquer Legislativo sério, ofensa à instituição e desrespeito aos colegas. Aqui, é possível que sirva de pretexto para livrar Eduardo Cunha da punição que merece, num abjeto prêmio pela condução do impeachment.

No STF, cumpre julgá-lo sem demora. No Conselho de Ética, cumpre condená-lo. No plenário, é hora de votar pela cassação. Sua presença na Câmara dos Deputados é uma vergonha, um insulto, uma provocação a todos os brasileiros.

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