Folha de S. Paulo


CARLOS ANDREAZZA

Deu no "New York Times"

Sempre me importou o que diz a imprensa estrangeira sobre o Brasil. Fico feliz que a esquerda brasileira também -de súbito- importe-se. Os progressistas ora citam o "Guardian", o "Figaro", o "New York Times"! Até faz pouco eu era provinciano, jeca, por isso. Sou grato ao correspondente Glenn Greenwald, entre outros. O norte de sua cobertura militante -e influente- tornou-me antenado, cool. Ele dá o tom. Exportou a cantilena do golpe. Conquistou leitores "prafrentex" aqui.

O próximo passo seria o ex-presidente Lula compartilhar um artigo de Larry Rohter (escreve, Larry, escreve!) sobre o circo armado no Congresso Federal para votar o impeachment de Dilma Rousseff.
Sim. O circo armado. O show de horrores. O espetáculo deprimente. A festa dos imorais. A reunião dos hipócritas (nenhuma linha para a infâmia dos escarradores, porém).

Reuni, publicadas em jornais, duas dezenas de definições negativas sobre a sessão plenária do dia 17 de abril de 2016 na Câmara. Postas em conjunto, provindas de petistas ou das linhas-auxiliares, parecem querer tratar de um país -poderia ser a Venezuela, sem dúvida- que não o Brasil governado pelo PT desde 2003.

Há mais que ousadia nessa adjetivação deslocada. Há método. E há também uma conquista narrativa tão farsesca quanto perigosa, cuja linha inicial não foge de variações a respeito da surpresa do brasileiro -então deprimido, triste, arrependido, em dúvida sobre se vale apoiar o impeachment, pobre indivíduo- ante a qualidade de seus representantes no Parlamento (este brasileiro, claro, não foi visto em lugar algum).

O texto -a evidente ordem unida dos novíssimos defensores do Estado democrático de Direito, muitos dos quais petistas que pedem respeito à Constituição que não subscreveram- consiste em alardear o baixo nível dos deputados, esta novidade, e assim desvalorizar, sucatear o Legislativo.

Como se o projeto de poder que desmorona não devesse boa parte de sua existência ao manuseio, sem precedentes, desse varejo rasteiro e não tivesse tantas vezes comerciado com os controladores de Deus.

Não faz muito e companheiro de alta patente (preso) chamava isso -essa boiada hoje descontrolada - de a maior base aliada da história da América Latina. Corrompeu-se até a ideia de megalomania.

Deu no que deu. Ou terá Eduardo Cunha chegado aonde chegou senão como consequência do monumental balcão de negócios patrióticos que sempre regeu a parceria -eletiva, registre-se- entre PT e PMDB?

Em tempo: você, eleitor de Dilma Rousseff, sabe que também votou e elegeu Michel Temer, certo?

Um casamento em que as partes foram dormir com o dote não poderia resultar de outra forma. E esse, não se deixe enganar, é problema do PT. Não de quem apoia, alicerçado em resolução do Supremo Tribunal Federal, o processo democrático de impeachment e nada tem com o modo como a compreensão autoritária da política dilapidou e amesquinhou um poder da República.

Eduardo Cunha, idem, é problema dos petistas, que o cevaram, o empoderaram e o fizeram isso.

Nada lhe deve quem luta pelo impedimento da presidente. Nada. Urge derrubá-lo, isto sim. Ele é indefensável -e serve de refúgio derradeiro aos que militam por deformar o processo de impeachment em golpe.

Eduardo Cunha é a última esperança do Partido dos Trabalhadores. Tchau, querido.

CARLOS ANDREAZZA, 36, é editor-executivo da Editora Record

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