Folha de S. Paulo


TÁBATA AMARAL DE PONTES, JUSSARA NEGROMONTE E CAROLINA MORAIS ARAÚJO

Três dias que mudaram nossa visão

Passamos parte dos últimos anos acompanhando, de fora do Brasil, a economia e a política nacionais.

Estudantes de Columbia, Harvard, Oxford e Stanford, em programas de graduação, mestrado e doutorado ligados a formulação e gestão de políticas públicas, vivemos a ansiedade de acompanhar os embates sobre o futuro do país sem poder fazer parte do front.

Neste momento em que trilhamos o caminho de volta, com uma visão do "Brasil de fora", passamos três dias intensos - entre 30 de março e 1º de abril - testemunhando e discutindo o "Brasil de dentro" com prefeitos, deputados, ministros, gestores e jornalistas. Num contexto de polarização crescente e certezas inflamadas, esses três dias mudaram a nossa visão.

Antes desses três dias, havia uma divisão entre nós sobre o apoio ao impeachment e suas consequências. Uns acreditavam que o impeachment traria a governabilidade que o país precisa para ajustar a trajetória da economia e realizar as reformas estruturais.

Outros entendiam que essa pretensa governabilidade é duvidosa e viria a custos demasiadamente elevados, deixando cicatrizes institucionais profundas com a retirada à força de uma representante eleita, com uma justificativa que parecia insuficiente para mover um julgamento político.

Ao longo desses três dias, porém, perspectivas díspares convergiram em um entendimento mais crítico. Foi ficando claro que o impeachment não trará governabilidade para quem quer que ocupe a cadeira da Presidência.

Se Dilma permanecer, outros processos judiciais e ruas exaltadas também permanecerão; se Temer assumir, novos processos judiciais devem ganhar protagonismo, podendo ou não ser potencializados pelas ruas.

O novo passo da linha sucessória traria Eduardo Cunha, um retrocesso sob qualquer critério que se deseje utilizar.

Construímos, então, três consensos capazes de unir visões antes divergentes. O primeiro: é fundamental que o julgamento da cassação da chapa Dilma-Temer no TSE ocorra ainda em 2016. Este ponto é claro, independentemente do que se espera para o resultado desse julgamento.

Se a cassação não ocorrer, tira-se ao menos uma das espadas do pescoço de quem ocupa a cadeira da Presidência, contribuindo para a governabilidade necessária para voltarmos a discutir o futuro do país.

Se a cassação vier, no entanto, o timing é ainda mais fundamental. Ocorrendo em 2016, teremos novas eleições diretas. Se a decisão do TSE acontecer depois disso, teremos eleições indiretas, em que Cunha e os demais deputados federais vão escolher nosso novo governante.

O professor de Harvard Archon Fung afirma que, diante de dilemas éticos em uma democracia plural, devemos fazer escolhas que sejam ao mesmo tempo "boas, justas e legítimas". É difícil crer que uma escolha legítima possa emergir de uma Câmara em que as figuras de maior destaque enfrentam na Justiça processos de corrupção.

O segundo consenso é que, seja por meio do julgamento do TSE, seja nas próximas eleições municipais, vivemos uma oportunidade única de aprender sobre um elemento central da reforma política: o modelo de financiamento político-eleitoral. Teremos as primeiras eleições sem financiamento privado de campanhas. Diminuirão as barreiras à entrada de novos candidatos? Diminuirá a captura dos recursos públicos por interesses privados?

Que outras reformas serão necessárias? Essa agenda fundamental somente voltará ao centro do debate se a sociedade estiver atenta a esta oportunidade.

O terceiro ponto comum: só será possível avançar por meio do diálogo. Em uma das conversas que tivemos nos últimos dias, um deputado nos disse que é necessário ter políticos de qualidade em todos os partidos, porque política se faz com a construção de pequenos consensos.

E que, no momento atual, está impossível construir esse diálogo entre quem pensa diferente. Vemos isso acontecer mesmo fora da política profissional, justamente quando o Brasil mais precisa refletir sobre seu futuro.

Esses três pontos pavimentam o caminho para o nosso papel. Um jornalista nos provocou a imaginar o momento atual daqui a cinco anos. A forma com que agimos e nos posicionamos representará a nossa pequena contribuição para a história. É preciso trabalhar para que o diálogo ocorra - em particular, para enxergar além da agenda do impeachment - em um país paralisado.

Elemento fundamental para avançarmos em direção a essa agenda será que o Tribunal Superior Eleitoral dê prioridade à análise das ações movidas contra a chapa Dilma-Temer, concluindo o julgamento ainda neste ano. É crucial que haja maior transparência neste processo, com a divulgação sistemática das ações do tribunal e uma agenda clara para o andamento do processo, garantindo que o respeito à legislação se sobreponha a interesses partidários.

TÁBATA AMARAL DE PONTES, JUSSARA NEGROMONTE e CAROLINA MORAIS ARAÚJO são membros da rede de Lemann fellows - pessoas selecionadas pelas universidades de Harvard, Stanford, Columbia, MIT, Oxford, UCLA e Illinois, comprometidas com a transformação do Brasil


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