Folha de S. Paulo


editorial

Revisão inconsequente

Como se o governo federal colhesse dinheiro em árvores e não enfrentasse sérias dificuldades econômicas, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), resolveu, de forma provisória, dar razão a alguns Estados que pediram mudanças no cálculo de suas dívidas com a União.

Por ora, as liminares favoreceram Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, mas tudo sugere que as demais unidades da Federação seguirão o mesmo caminho. Se todas forem contempladas num julgamento definitivo, terá sido criado um rombo de cerca de R$ 300 bilhões nos cofres federais.

As ações desses Estados defendem uma revisão irresponsável de seus débitos. Pretendem que sejam cobrados juros simples, em vez dos usuais juros compostos. Grosso modo, as taxas incidiriam apenas sobre o montante original, e não sobre o valor corrigido.

Compreende-se o esforço dos Estados, que buscam solução para uma situação de penúria. Ocorre que a alteração não faria o total devido diminuir; apenas transferiria para a União a responsabilidade pelo pagamento.

É que, no final dos anos 1990, a renegociação do passivo estadual contou com pesados subsídios do governo federal. Esta, a fim de ajudar os Estados, endividou-se no mercado –e os juros incidentes sobre a dívida da União são compostos. Não faz o menor sentido que os critérios sejam diferentes.

Já não seria pouco se essas liminares apenas impusessem tal desfalque ao Tesouro Nacional, com o consequente agravamento da penosa situação econômica do país. As decisões, porém, fazem mais: levam insegurança jurídica a todos os contratos que prescrevam o uso de juros compostos –ou seja, a todos os contratos financeiros.

Os juros simples não são prática no mercado financeiro, seja para corrigir dívidas, seja para remunerar investimentos, aqui incluídos os mais comezinhos, como a poupança. Pode-se imaginar a instabilidade que o STF criará se seu plenário confirmar a revisão das taxas nos contratos estaduais.

A solução para o problema dos Estados, agravado em grande parte pelo populismo dos governadores, não está nos tribunais. Está num entendimento político com o governo federal em torno da melhor forma de alcançar um alívio de caixa em troca de contrapartidas rigorosas.

O alongamento de prazos em troca de compensações na gestão de pessoal e melhorias nos sistemas previdenciários é um bom começo. Deve ser inserido nesse acerto, ademais, uma negociação sobre o ICMS, para pôr fim à guerra fiscal.

Não será com ativismo judicial inconsequente que se encontrarão saídas para o pesado endividamento estadual.

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