Folha de S. Paulo


JOEL MOTLEY

A recuperação do Brasil

Em 1974, ano de minha primeira visita ao Brasil, o país era governado por uma ditadura militar. Foi também neste ano que o escândalo de Watergate tomou conta do governo e da política dos EUA.

A maioria dos americanos passou boa parte de 1974 assistindo às audiências televisionadas da investigação feita pelo Congresso e acompanhando as manchetes de sucessivas revelações chocantes, de crimes cometidos pelo então presidente Richard Nixon e seus capangas.

Os crimes de Nixon começaram com um assalto à sede do oposicionista Partido Democrata, no complexo Watergate (Washington), seguido por mais delitos para ocultar o envolvimento do presidente.

A descoberta de que um chefe do Executivo Federal sancionava um crime para vencer uma eleição nos fascinou e traumatizou. A possibilidade de um presidente criminalizar o processo político colocava o Estado de Direito em risco. Todo o mundo entendia isso.

O assalto em Watergate aconteceu em 17 de junho de 1972. O Congresso começou a investigar o incidente em 1973, e em outubro daquele ano o secretário da Justiça nomeou Archibald Cox (um de nossos advogados mais destacados) como promotor especial.

Quando Cox exigiu ouvir as gravações de áudio secretas do gabinete presidencial, Nixon sentiu-se encurralado pela Justiça e o demitiu. A demissão de um homem da estatura e integridade de Cox colocou a bola do impeachment em movimento, e Nixon renunciou em agosto de 1974, antes de o processo de impeachment ser concluído.

O resultado provável do processo, o afastamento de um presidente americano em exercício, era evidente a todos, até para Nixon.

Tantos anos depois, creio que o Brasil também irá sobreviver aos seus escândalos atuais, e o Estado de Direito sairá fortalecido por isso. Felizmente o Brasil possui um Judiciário e promotores fortes - incluindo o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e seus subordinados- que poderão conduzir esse processo até o fim.

Países que não contam com promotores dessa categoria são condenados a viver sob governos corruptos. O momento é propício para promotores e juízes investigarem todas as denúncias de corrupção, independentemente dos partidos políticos dos suspeitos.

Milhões de manifestantes indignados nas ruas do Brasil dão a impressão de uma revolução política. Mas não se trata de uma revolução, e sim de uma luta pela conservação da democracia.

Com tantos parlamentares brasileiros comprometidos com a corrupção, os procedimentos do impeachment serão difíceis. A base factual para o impedimento da presidente ainda não está clara.

Os promotores brasileiros que combatem a corrupção podem vir a tropeçar no caminho que têm pela frente, mas até agora demonstram determinação forte o suficiente para levar a tarefa a cabo.
Ainda é cedo para prever o fim da história, mas os fatos já revelados são suficientes para motivar uma mudança de hábitos no país.

Trazer à tona a corrupção governamental profunda e ampla e condenar os responsáveis por ela pode ser um processo profundamente doloroso. Isso dito, o futuro do Brasil ainda é positivo, e dias melhores estão logo do outro lado desta crise.

JOEL MOTLEY, é copresidente do conselho da ONG Human Rights Watch

TRADUÇÃO de CLARA ALLAIN

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