Folha de S. Paulo


José Carlos Aleluia

Valor não calculado

A Constituição Federal Brasileira estabelece que os Estados detêm o monopólio da distribuição de gás canalizado no país.

Na grande maioria dos casos, os Estados criaram para esse fim uma ou mais companhias concessionárias e transferiram a elas os encargos de implantação e operação de uma custosa rede de infraestrutura de dutos. Como auxiliares nessa tarefa, buscaram sócios ou terceiros.

Os Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro são exceções. Nessas unidades federativas, atuam mais de uma concessionária e não há participação direta dos governos estaduais no capital social das empresas.

No restante do país, entretanto, os governos dos Estados dividem ações ordinárias com a Petrobras, por meio de sua subsidiária Gaspetro, e com alguma outra empresa privada.

A governança das companhias também é semelhante. Em geral, a diretoria é composta por três membros. Cabe à Petrobras a indicação da diretoria comercial e de operação.

Como ocorre em toda concessão pública, esse serviço é regulado. As tarifas são estabelecidas de forma a possibilitar o pagamento dos custos operacionais da empresa e a remuneração do capital investido.

Não é aí, contudo, que reside o principal interesse da Petrobras em participar desse negócio. Além de já controlar os gasodutos de transporte no território nacional, a empresa é gestora dos aspectos comerciais das companhias distribuidoras de gás canalizado. Isso permite a ela bloquear a venda direta de gás natural às companhias distribuidoras.

Como consequência, os outros produtores de gás são forçados a negociar a venda de sua produção com a Petrobras. Esse mesmo gás acaba sendo vendido pela Gaspetro às distribuidoras. Antes de concretizado o negócio, a Petrobras adiciona uma grande margem comercial que, por vezes, equivale a mais que o dobro do valor pago ao produtor.

Há alguns anos a Mitsui, uma trading japonesa, adquiriu participação societária em várias companhias distribuidoras de gás do Nordeste e do Sul do país, tornando-se sócia nessas empresas da Petrobras e dos Estados.

Mas seu interesse estratégico no negócio parece não ter sido compreendido por todos.

Nos últimos dias de 2015, a Petrobras comunicou ao mercado a venda para a Mitsui de 49% da Gaspetro. A negociação atingiu a cifra aproximada de R$ 1,9 bilhão. Com isso, a Mitsui passou também a ter participações indiretas nas companhias, ampliando sua atuação para mais 11 distribuidoras estaduais.

Apesar de não ter sido divulgado o conteúdo do acordo de acionistas da nova Gaspetro, é impossível imaginar que na compra de 49% de uma companhia não se negocie a possibilidade de veto em matérias relevantes, incluindo o direito de preferência de compra dos restantes 51% das ações.

Se isso de fato ocorreu, a Mitsui passa a ser o caminho de todos os futuros produtores de gás natural do Brasil para a venda da produção.

Em janeiro, a Justiça Federal da Bahia concedeu liminar suspendendo a venda, alegando, entre outros pontos, falta de transparência na negociação. A Petrobras informa que está promovendo sua defesa na forma da lei.

Ao permitir o crescimento da participação da empresa japonesa, a Petrobras abriu mão não só de uma participação societária em um negócio regulado. A empresa está perdendo o controle de algo que sempre teve: a comercialização de gás no Brasil. Isso é algo cujo valor é muito difícil de estimar no momento. Certamente, superará o montante noticiado.

JOSÉ CARLOS ALELUIA, 68, engenheiro eletricista, é deputado federal pelo DEM-BA

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