Folha de S. Paulo


RÔMULO NEVES

A ilusão da disputa

O Brasil corre sério risco de testemunhar embates violentos nas manifestações de rua marcadas para o próximo domingo (13). A oitiva de Lula na Lava Jato fortaleceu a polarização dos grupos pró e contra o governo Dilma Rousseff.

Os ânimos estão exaltados, inclusive como estratégia política de ambos os lados. A quem interessa, no entanto, o recrudescimento do ambiente? Certamente não ao conjunto da população, pois os modelos de gestão de poder em disputa são idênticos. Trata-se de um embate tradicional, ancorado em esquemas táticos de marqueteiros e políticos.

Além de possíveis casos de enfrentamento físico, o momento é propício para o recrudescimento de movimentos independentes e, por isso mesmo, imprevisíveis. Em Brasília, por exemplo, o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) e a FNL (Frente Nacional de Luta) invadiram na última terça (8) alguns órgãos públicos.

Prometem ir às ruas contra o governo, mas também devem hostilizar os apoiadores do impeachment da presidente. É grande a chance de a situação sair do controle, o que deve se repetir em outras cidades.

Seja qual for o resultado de domingo, nada indica que será iniciado um debate sobre as formas de relação entre os governantes e a população. Não há ninguém nas cúpulas, seja do PT, seja do PSDB, interessado nessas questões neste momento. A falência do modelo baseado em "propaganda e algumas obras para mostrar na propaganda" é o pano de fundo da crise, mas está fora do radar dos políticos.

As lideranças compreendem que o Estado não é capaz de seguir funcionando à base do clientelismo e de peças de marketing disfarçadas de políticas estruturantes, mas não sabem o que oferecer como opção.

Tivemos pontos positivos nas gestões FHC e Lula, 16 anos de relativa evolução política. Nesse período, entretanto, perdemos a chance de aprovar as reformas essenciais para o desenvolvimento do país (previdenciária, trabalhista, tributária, política).

Sem as reformas estruturais, garantir o acesso das classes C e D a bens de consumo é apenas enxugar gelo. É possível retirar essas pessoas da miséria econômica com uma bolsa qualquer do governo, mas é impossível tirá-las da miséria política sem oferecer informação, educação e demais serviços básicos de qualidade.

Somente uma solução que aponte caminhos concretos para a universalização das oportunidades e dos serviços públicos devolveria a necessária confiança ao governo, a qualquer governo. Seria preciso rever as prioridades e assumi-las não como ações de propaganda, mas sim ações de Estado.

Para isso, é necessário tocar nos interesses de grupos privilegiados na distribuição dos recursos nacionais –políticos, empresas subsidiadas, bancos, empreiteiras e sindicatos, especialmente os de funcionários públicos. Quem arriscaria seu mandato para mexer nesse vespeiro? Ninguém.

Seguiremos, seja qual for o resultado das manifestações de domingo, em um modelo político no qual o marqueteiro é mais importante que o ministro da Educação.

Os eleitores participarão das passeatas convencidos de que defendem uma causa. Ledo engano. Cada grupo estará defendendo apenas a parte da propaganda em que acredita. As lideranças do PSDB são tão antiquadas e preocupadas com seus projetos de poder quanto as do PT.

Resta-nos apontar a irracionalidade da disputa e torcer para que não tenhamos de aprender na marra, com novas crises institucionais, que o atual modelo está falido.

Não existe herói nacional –seja o ex-presidente Lula ou o juiz federal Sergio Moro. Participar da política é muito mais do que votar numa peça de propaganda, ir às ruas gritar palavras de ordem ou, ainda, hostilizar alguém que apenas foi enganado por outro marqueteiro, que não o de seu partido.

RÔMULO NEVES, 38, é diplomata. Foi Chefe do Gabinete do governo do Distrito Federal (2015-2016). Filiou-se ao partido Rede Sustentabilidade em janeiro

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