Folha de S. Paulo


Jerson Kelman

Campanha da Fraternidade e saneamento

O papa Francisco convidou as pessoas a se mobilizarem para a Campanha da Fraternidade desse ano afirmando que "o acesso à água potável e ao esgotamento sanitário é condição necessária para a superação da injustiça social e para a erradicação da pobreza e da fome, para a superação dos altos índices de mortalidade infantil e de doenças evitáveis e para a sustentabilidade ambiental".

Oxalá essa manifestação do papa induza os serviços de saneamento, a imprensa, o Ministério Público e as organizações não governamentais a unirem esforços para reverter um quadro de atraso do Brasil em relação a países com renda per capita parecida com a nossa. É preciso transformar intenções em ações.

Na prática, o que precisa ser feito? Primeiro, melhorar a produtividade dos serviços de saneamento. Fazer mais com menos. Os desafios técnicos, econômicos e financeiros devem ser enfrentados com intenso trabalho e persistência, com a consciência de que o problema não se resolve num estalar de dedos. É tarefa para muitos anos.

Editoria de Arte/Folhapress
Ilustração pagina A3 7 de março de 2016

Segundo, compreender que se o objetivo é maximizar o bem-estar da sociedade com os recursos disponíveis, o melhor é priorizar investimentos em tratamento e distribuição de água, depois na coleta de esgoto e por último no tratamento de esgoto. Ou seja, devemos fazer como os países desenvolvidos que, no estágio em que agora estamos, colocaram a saúde das pessoas acima de qualquer outra consideração.

Terceiro, mudar padrões urbanísticos, jurídicos e técnicos para viabilizar a coleta de esgoto nos assentamentos irregulares. Entre o ótimo (regularizar as áreas invadidas) e o bom (atender o que tecnicamente for possível), não devemos optar pelo péssimo (manter o status quo).

Quarto, beneficiar todas as famílias carentes com a tarifa social (cinco litros de água custam menos que um centavo), para que as contas de água estejam adequadas à capacidade de pagamento. Em compensação, a população com maior renda deve exigir um serviço de primeiro mundo e estar disposta a pagar o correspondente custo.

Como todos, os de maior e de menor renda, devem receber idênticos serviços de saneamento, parte do custo do atendimento às famílias humildes tem que ser embutida nas contas dos demais consumidores ou coberta por repasses governamentais, arcados pelos contribuintes.

A conta de água resulta de um "rateio de custos" que considera exclusivamente o serviço prestado de forma coletiva à população, e não o serviço que deveria ser prestado. Ou seja, o consumidor não paga pelo que não recebe, ao contrário do que muitos pensam.

Por isso, as contas de água em Londres ou Paris –cidades com todos os investimentos para o saneamento já concluídos– são bem mais elevadas do que as contas em São Paulo ou no Rio, onde muito ainda resta fazer.

Por outro lado, os rios Tâmisa e Sena são bem mais limpos do que o Tietê ou a baía de Guanabara. Como é óbvio, não é possível prestar serviço completo com tarifas que cobrem apenas parte do custo do que precisa ser feito.

A Campanha da Fraternidade desse ano semeia em solo fértil porque a crise hídrica serviu para conscientizar sobre o valor da água. Mesmo agora, quando a crise passou, a população mantém os bons hábitos de combate ao desperdício.

Para avançar na solução dos muitos problemas ainda pendentes relacionados ao saneamento devemos seguir o ensinamento de são Francisco de Assis: "comece fazendo o que é necessário, depois o que é possível, e de repente você estará fazendo o impossível".

JERSON KELMAN é presidente da Sabesp e professor da Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro

*

PARTICIPAÇÃO

Para colaborar, basta enviar e-mail para debates@grupofolha.com.br.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.


Endereço da página:

Links no texto: