Folha de S. Paulo


Roberto Luis Troster

Governo deve usar reservas internacionais para combater a crise? Sim

POR UMA POLÍTICA CAMBIAL SENSATA

A moeda americana causou uma triste notícia neste mês, alcançou sua maior cotação desde a criação do real e está sem uma tendência definida. Enquanto diferentes patamares do câmbio estremecem a economia, a incerteza a paralisa.

O vai e vem do preço do dólar está prejudicando o país. Aumenta a pressão inflacionária e, consequentemente, a taxa de juro. Considerando que o dólar é um indicador da estabilidade econômica do país, a inconstância de suas cotações afeta a confiança, fazendo com que investimentos sejam postergados.

Para o setor produtivo, as flutuações do câmbio atrapalham o comércio exterior, o turismo e as operações financeiras com o resto do mundo. A fragilidade cambial não interessa a ninguém, um dólar incerto é ruim para todos. Urge readequar o mercado de divisas, que resumidamente está segmentado em dois.

Um é o à vista, anacrônico. A lei cambial é de 1933, de uma época de economia mais fechada, em que a falta de divisas era crônica. Apesar de avanços, a caduquice da norma ainda onera o setor produtivo.

O outro é o futuro, a quase totalidade opera na BMF (Bolsa Mercantil e de Futuros), que é uma das mais modernas do mundo. É sofisticado e opera volumes muito superiores aos do mercado à vista.

Os dois segmentos interagem, mas, considerando seu tamanho maior e sua eficiência, o mercado futuro é determinante na trajetória da cotação do dólar.

O Banco Central tem uma política mercantilista, atua mantendo estáveis o estoque de reservas, próximo a US$ 360 bilhões, e uma posição em operações futuras na BMF em US$ 110 bilhões.

Utiliza as reservas como sinalização de solvência e facilita, com mais liquidez, as operações de arbitragens de taxas nos mercados futuros. É óbvio que a estratégia é inoperante em turbulências como a atual.

Além disso, induz uma hipertrofia ainda maior do segmento financeiro do mercado de câmbio em detrimento do setor produtivo. Cada vez mais, é o rabo que abana o cachorro. Em outras palavras, a produção nacional fica à mercê dos humores dos investidores.

Isso pode ser corrigido mudando a atuação na política cambial e modernizando a normatização do mercado à vista. O Banco Central atuaria apenas no mercado à vista, fixando limites de oscilação diários da divisa norte-americana para arrefecer sua volatilidade.

Em um mesmo dia, a autoridade monetária compraria dólares a um preço e venderia a outro num intervalo de, digamos, três centavos, usando reservas. O câmbio continuaria flutuante, mas a volatilidade diminuiria consideravelmente.

Usando o mercado à vista, em vez do futuro, operaria com custos consideravelmente mais baixos, reduziria as incertezas associadas à trajetória do câmbio e induziria um estreitamento de margens nas operações com divisas.

Como atuaria comprando e vendendo, não alteraria de maneira significativa o estoque de reservas e haveria mais benefícios para o país. Um dos objetivos do Banco Central do Brasil é zelar pela estabilidade da moeda, e o uso das reservas internacionais seria uma melhor forma de atingi-lo.

A outra correção, importante e urgente, seria modernizar a quase centenária lei cambial, dando ao mercado à vista a mesma sofisticação e eficiência do futuro. Precisamos acabar com a parafernália do dólar que atormenta cada dia mais a vida dos brasileiros.

ROBERTO LUIS TROSTER, doutor em economia, foi economista chefe da Febraban e professor da USP e da PUC-SP

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