Folha de S. Paulo


Eduardo Sanovicz

Projeto de lei dos aeronautas vai beneficiar a aviação no Brasil? Não

SEGURANÇA GARANTIMOS, AUMENTO NEGOCIAMOS

A nova Lei dos Aeronautas (projeto de lei 8.255/14), da forma como foi aprovada em novembro na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público da Câmara, compromete o futuro da aviação comercial brasileira.

Enquanto vivemos um momento em que todos os setores buscam os melhores caminhos para negociações diretas com os sindicatos, o projeto de lei representa um retrocesso ao regular itens sem relação com a segurança da operação, prioridade máxima para as companhias aéreas. Essa prática lembra os anos 1970, quando se buscava aumento salarial por meio da lei.

Diversos itens poderiam ser regulamentados pela Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) ou ajustados por meio de CCT (Convenção Coletiva de Trabalho). Isso daria flexibilidade para revisões e melhora permanente das condições de trabalho dos aeronautas.

Defendemos e praticamos políticas salariais que remuneram pilotos em até R$ 35 mil por mês. Julgamos que esses valores são apropriados para o exercício da função.

Discordamos, porém, da prática sindical que vimos na Câmara dos Deputados, pois ela deixará obsoletos temas que evoluem com o aprimoramento das relações trabalhistas. O mesmo acontecerá com artigos mais técnicos e ligados a equipamentos, pois eles avançam constantemente por meio de novas tecnologias e estudos científicos.

Um exemplo é o Sistema de Gerenciamento de Fadiga, cujo processo de implementação e discussão tem o nosso apoio. Em todos os países do mundo nos quais avançou, o sistema foi resultado de ação coordenada entre agência reguladora, empresas e aeronautas, sem necessidade de lei para engessar o processo.

Nossa posição em relação ao projeto, portanto, não tem qualquer correlação com a segurança da operação aérea, um dos nossos maiores ativos e uma conquista inegociável. Temos orgulho de oferecer um dos transportes aéreos mais seguros do mundo.

Por aqui, a média acumulada de acidentes aeronáuticos foi de 1,5 para cada milhão de decolagens entre 2008 e 2014, quase metade da média mundial, de 2,8 acidentes por milhão de decolagens em 2014.

Apesar de prevermos perda de competitividade, reduções de voos e até demissões por causa da combinação da nova lei com o atual cenário político-econômico do Brasil, construímos um processo colaborativo envolvendo empresas e trabalhadores, visando ter um projeto adequado para o futuro.

Convidamos a sociedade brasileira a refletir sobre isto: no ano que passou as empresas fundadoras da Abear (Associação Brasileira das Empresas Aéreas) tiveram um deficit de caixa superior a R$ 7 bilhões, quantia que pode chegar a R$ 12 bilhões neste ano se o dólar ultrapassar a barreira dos R$ 4,40.

Contribuem para essas projeções os impostos, os reajustes de taxas, a recessão no país e os problemas crônicos da área, como a fórmula de precificação do querosene de aviação. Com a realidade que se apresenta agora, uma nova lei sem consenso é mais um fator que pode nos fazer retroceder.

Somos e garantimos que queremos continuar a ser uma atividade duradoura, eficaz, que já levou mais de 100 milhões de passageiros a bordo. Estamos fazendo a nossa parte; é necessário que os demais segmentos –público, privado ou sindical– naveguem com o mesmo objetivo.

EDUARDO SANOVICZ, 55, professor doutor do curso de turismo da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP, é presidente da Associação Brasileira das Empresas Aéreas - Abear

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