Folha de S. Paulo


FELIPE SALTO

Por quem os sinos dobram?

Tudo indica que o Banco Central (BC) deflagrará um novo ciclo de alta da Selic nesta quarta (20). O IPCA encerrou 2015 a 10,7%, muito acima do teto da meta (6,5%). Esse é um resultado lamentável, que corrói a renda dos brasileiros e afugenta investimentos no país. Mas é preciso ter claro: um novo galope dos juros só reforçará a desconfiança que alimenta a inflação.

O aumento da Selic eleva o gasto público: mais deficit, mais dívida. Além disso, os juros maiores aprofundam a recessão, desfazendo a esperança de reduzir ou mesmo de estabilizar a relação dívida/PIB. Por último, a arrecadação do governo diminui, em razão do efeito da alta dos juros sobre a produção.

Assim, a dívida bruta –de 65,1% do PIB (nov/2015), ante 57,2% do PIB (dez/2014)– vai crescer ainda mais, chegando a 72% ao final deste ano. A percepção de maior fragilidade fiscal aumenta o risco-Brasil e reforça a elevação do preço do dólar, o que alimenta a inflação. É um quadro de dominância fiscal.

A diretoria do BC ignora os efeitos fiscais de suas políticas. O governo busca (sem sucesso algum) gerar superavit primário (receitas menos despesas, exclusive juros), mas esconde sob o tapete o custo elevadíssimo do pagamento de juros sobre a dívida. Usou o lucro virtual com a valorização em reais das reservas cambiais para pagar as pedaladas, no apagar das luzes de 2015, mas continua a ignorar as despesas com juros geradas pelo mesmo BC.

Segundo estimam, nos bastidores, diretores do BC e, às claras, analistas do mercado, a Selic subirá de 14,25% para 15,25% até o final de 2016. Essa escalada elevará a despesa pública em, no mínimo, R$ 15 bilhões. Pior, isso não domará a inflação.

Mesmo em recessão, amargaremos uma elevação do IPCA superior a 7,5% em 2016, não obstante o esgotamento dos reajustes dos preços administrados. A abertura do IPCA mostra que o aumento da inflação entre 2014 e 2015 resultou do forte reajuste desses preços (gasolina, energia elétrica, etc), além da disparada do dólar e dos choques de oferta.

Em 2014, a inflação dos administrados foi de 5,3%, saltando a 18,1% em 2015, o que explica cerca de dois terços do aumento da inflação do período (de 6,4% para 10,7%).

Os juros tornaram-se inócuos no combate à inflação, mas o BC continua a acreditar que a sangria é mais eficiente para baixar a febre do que um comprimido de paracetamol. A maior fragilidade fiscal decorrente dessa política monetária vai dar, via desvalorização do real, sua contribuição ao IPCA deste ano.

São claros os efeitos da depressão mais séria desde a crise de 1929. A destruição de empregos alcançará 3,3 milhões de vagas no biênio 2015/2016, e o PIB despencará 7% na soma do período. Então, para que turbinar ainda mais os juros?

Há três hipóteses não excludentes para entender o erro que o BC está prestes a cometer: (a) não tem o diagnóstico correto e, por isso, aplica remédios que só prolongarão a estadia do paciente na UTI; (b) pretende mostrar que é durão e manda mais do que o Ministério da Fazenda; (c) visa sancionar os juros já considerados como certos pelo mercado depois do indevido falatório de parte da diretoria do banco.

Não me perguntem por quem aqueles sinos dobram. Só sei que, nesse jogo insensato, submergem os interesses da coletividade: o crescimento econômico e a estabilidade, bases para a construção de uma sociedade civilizada e justa.

FELIPE SALTO, 28, economista, é professor na pós-graduação executiva na FGV/EESP - Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas. Mestre em administração pública, é assessor parlamentar do senador José Serra (PSDB)

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