Folha de S. Paulo


editorial

Inovação em risco

Torna-se cada vez mais difícil exagerar nas avaliações negativas a respeito dos danos provocados pela crise econômica. Os efeitos adversos não apenas se fazem sentir no presente, sobretudo na forma de inflação e desemprego, mas também comprometem o futuro, do que dá prova a retração do investimento em inovação.

Como parte das ações voltadas ao ajuste das contas públicas, o governo editou no início de outubro a medida provisória 694, que na prática acaba com a chamada Lei do Bem –que permitia às empresas deduzir do Imposto de Renda os dispêndios em pesquisa e desenvolvimento no país.

A medida provisória ainda não foi votada pelo Congresso Nacional, mas suas consequências já foram mensuradas por um levantamento realizado pelo Departamento de Competitividade da Fiesp.

Consultando 75 empresas, o estudo aponta que 60% delas pretendem demitir pesquisadores, com uma redução potencial de 12.600 postos de trabalho. Além disso, 74% das companhias afirmam que haverá redução ou cancelamento de projetos e 17% estudam transferir atividades para o exterior. Calcula-se que R$ 2,8 bilhões deixarão de ser investidos em 2016.

A crise econômica piora o que já era ruim. O Brasil nunca foi o campeão em incentivos para a inovação. Em 2012, eles representaram 0,02% do PIB; em termos proporcionais, EUA e China alocam o triplo, enquanto a França destina fatia mais de dez vezes maior.

Quando se leva em conta o investimento total em inovação, incluindo institutos de pesquisa, universidades e empresas, a posição brasileira não melhora. Mesmo no auge da gastança pública, de 2011 a 2014, o país não conseguiu superar 1,2% do PIB, marca inferior ao padrão mundial.

Ainda mais grave, a falta de recursos não resume o problema; o Brasil carece de acompanhamento dos resultados das políticas de incentivo e de efetiva integração para que da pesquisa decorram aplicações práticas no setor produtivo. Há uma extensa agenda de melhoria institucional para que essas práticas atinjam a escala necessária.

A revolução da tecnologia da informação reforça cada vez mais o papel da inovação para a prosperidade econômica. O Brasil, porém, permanece dependente de setores tradicionais. Se o país quiser sair da estagnação, precisará se acoplar aos elementos mais dinâmicos do capitalismo mundial.

Esse passo decisivo será dado apenas com abertura para o comércio internacional, maior integração nas cadeias produtivas globais e, acima de tudo, mudança de mentalidade nas universidades públicas, no mais das vezes reféns de corporações retrógradas e distantes de uma cultura aberta ao novo.

editoriais@grupofolha.com.br


Endereço da página:

Links no texto: