Folha de S. Paulo


Mariana Nicolletti e Bruno Toledo Hisamoto

COP21 trará avanços no combate ao aquecimento global? Sim

REGRAS PARA UM JOGO COLABORATIVO

Pense em um jogo de tabuleiro cujo objetivo é evitar a intensificação das mudanças climáticas. Para alcançá-lo, os jogadores precisam de boas estratégias individuais e coletivas, das cartas certas e de um conjunto de regras. A COP21 (Conferência do Clima da ONU, em Paris) proveu-nos exatamente o último ponto: as normas para a atuação dos jogadores e, como princípio, o engajamento dos mesmos.

Pela primeira vez, praticamente todos os países da Convenção-Quadro da ONU sobre Mudança do Clima publicaram metas de redução de emissões de gases de efeito estufa antes mesmo do início da conferência.

As 186 contribuições apresentadas cobrem mais de 90% das emissões globais, um avanço notável em relação ao Protocolo de Kyoto.

A narrativa construída nesse processo, em que as partes tiveram liberdade para sugerir a forma e a medida de envolvimento, conferiu às negociações um tom de colaboração.

Feito inédito, a União Europeia se juntou ao Brasil para submeter uma proposta ao acordo climático em negociação –o mecanismo para a transferência de créditos de carbono entre países. Já o grupo Basic (Brasil, África do Sul, Índia e China) concordou com referências, no texto final do acordo, a contribuições financeiras voluntárias de países em desenvolvimento.

Tal dinâmica política refletiu-se em importantes avanços nas regras do jogo, mesmo sobre questões mais delicadas, como o financiamento.

Os US$ 100 bilhões (R$ 394 bilhões) anuais de ajuda dos países ricos aos mais pobres para mitigação dos efeitos das mudanças climáticas foram assumidos como piso mínimo para o período pós-2020. O valor será reajustado ao longo da implementação do acordo e complementado com recursos de cooperação Sul-Sul –a China já sinalizou que ajudará o Fundo Climático Verde da ONU com US$ 3,1 bilhões (R$ 12 bilhões).

Até mesmo o objetivo de longo prazo do Acordo de Paris ganhou ambição na COP21. Antes o desafio era limitar o aumento da temperatura média do planeta em 2ºC. Agora os países se esforçarão para mantê-lo em 1,5ºC.

Outra conquista crucial para avanços na questão de financiamento foi a definição do mecanismo de revisão periódica dos esforços e ajustes.

Ao redor das negociações, agentes econômicos, governos e sociedades civis se mostraram mobilizados pelo combate ao aquecimento global. Mais de 500 investidores institucionais, que representam cerca de US$ 3,4 trilhões em ativos (R$ 13 trilhões), retiraram suas aplicações em projetos de combustíveis fósseis.

Da parte das empresas, algumas multinacionais prometeram investimentos bilionários em desenvolvimento tecnológico para energia limpa. Anunciaram metas como o balanço positivo de carbono em 2017 e o fim das emissões líquidas de gases em toda a cadeia de valor na próxima década.

Atores subnacionais também entraram em cena, como Acre e Mato Grosso. Os Estados firmaram compromisso de desmatamento zero líquido até 2020, dez anos antes do compromisso para a Amazônia.
O desafio agora é cultivar essa sinergia vista na COP21, principalmente na internalização do acordo climático na legislação e nas políticas públicas dos governos.

O acordo é o ponto de partida num jogo que precisa nos levar, de forma global e coordenada, a uma economia neutra em emissões. Tudo isso por meio de um processo transparente, inclusivo e flexível, capaz de estimular e apoiar a cooperação, assumindo mudanças climáticas, equidade e erradicação da pobreza como elementos de uma mesma agenda.

MARIANA NICOLLETTI, 32, é pesquisadora e gestora da Plataforma Empresas pelo Clima do GVces (Centro de Estudos em Sustentabilidade) da FGV - Fundação Getulio Vargas
BRUNO TOLEDO HISAMOTO, 28, é pesquisador do GVces da FGV

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