Folha de S. Paulo


IAIN LEVINE e MARIA LAURA CANINEU

Rejeitar não é combater o terror

Após os terríveis ataques de 11 de Setembro em Nova York e Washington, o governo do então presidente Bush reagiu de forma violenta e sem o devido respeito aos direitos humanos: tortura, detenções secretas ou indefinidas e espionagem marcaram a política contra o terror.

Essas ações, replicadas por muitos outros governos, comprometeram direitos fundamentais e estigmatizaram comunidades inteiras, além de fracassarem em eliminar a ameaça que se propunham a combater.

Com os recentes ataques em Paris, Bamako, Beirute e Sinai, crescem os apelos entre líderes em todo o mundo pela adoção de medidas similares que restrinjam liberdades individuais e enfraqueçam políticas humanitárias para refugiados –a despeito da maior crise migratória desde o fim da Segunda Guerra, com mais de 60 milhões de pessoas forçadas a deixar suas casas.

Os que fugiram da mesma violência e crueldade manifestadas nesses ataques são agora punidos e usados como bode expiatório.

Igualar extremistas a refugiados é errado e moralmente condenável: de acordo com as autoridades francesas, cidadãos europeus ou residentes de longa data no continente foram, em grande parte, os perpetradores dos ataques em Paris.

Embora os governos tenham a obrigação de proteger seus cidadãos, devem fazê-lo sem rejeitar os que fogem da morte e destruição na Síria, Iraque e outros lugares.

Um esforço mais coordenado nas fronteiras europeias e um maior comprometimento de países de todo o mundo no reassentamento dos refugiados beneficiariam aqueles que buscam um novo lar e permitiriam melhores normas de segurança.

Entre os grupos particularmente vulneráveis estão crianças desacompanhadas, famílias com crianças pequenas, vítimas do tráfico de pessoas, mulheres viajando sozinhas, grávidas ou lactantes, pessoas com deficiência, pessoas sujeitas à violência de gênero.

O Brasil acolheu por volta de 2.100 dos mais de 4 milhões de refugiados da guerra na Síria. A presidente Dilma Rousseff declarou que o Brasil está aberto a receber outros mais.

Apoiamos essa declaração e esperamos que o Brasil permaneça fiel a seus princípios, evitando a xenofobia que levou vários governos europeus e governadores republicanos dos EUA a insistirem que não aceitarão mais refugiados.

À decisão de acolher refugiados deve seguir-se um esforço organizado entre os vários níveis do governo para promover uma integração genuína, que combata os casos de abuso e discriminação.

O Brasil também não deve permitir que os atentados em Paris se tornem justificativa para a aprovação de um equivocado projeto de lei contra o terrorismo, em tramitação na Câmara dos Deputados.

A Human Rights Watch, entidade internacional de defesa dos direitos humanos, já se manifestou sobre os termos vagos do projeto, que poderão ser usados para restringir liberdades e direitos básicos.

Enquanto o mundo ainda se recupera dos recentes ataques, governos são tentados a responder de forma similar àquela escolhida pela administração Bush. Em vez disso, os países, e particularmente líderes regionais como o Brasil, país que recebeu o maior número de refugiados sírios na região, devem reconhecer que, mais do que nunca, este é o momento de permanecerem firmes em valores fundamentais.

IAIN LEVINE, 55, é vice-presidente da Human Rights Watch
MARIA LAURA CANINEU, 36, é diretora do escritório Brasil da Human Rights Watch

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