Folha de S. Paulo


EDITORIAL

O campo e a cidade

Existe um programa bem-sucedido em diminuir a pobreza, em melhorar a vida de idosos, em especial mulheres, e em estimular a economia de regiões menos conectadas ao mercado nacional e precárias em infraestrutura. Trata-se da Previdência dita rural, que atende beneficiários ligados de algum modo ao trabalho no campo.

Imenso, embora menos conhecido, esse ramo do INSS tem problemas graves de financiamento.

Em 2014, o deficit geral da Previdência foi de 1,03% do PIB, ou R$ 62,7 bilhões. No sistema urbano, houve mais receita de contribuições que despesa: superavit de R$ 27,9 bilhões, o equivalente ao gasto anual com o Bolsa Família. Na versão rural, o deficit alcançou R$ 90,6 bilhões, ou 1,49% do PIB.

A Previdência rural é praticamente assistencial, um programa de garantia de renda mínima de caráter distributivo. Em 2014, as contribuições dos trabalhadores rurais cobriram apenas 7,5% das despesas com benefícios.

As exigências para concessão de pensões são menores e muito diferentes daquelas do sistema urbano. A idade mínima é cinco anos menor. As regras incentivam algumas fraudes e poucas contribuições.

O deficit rural era de 1% do PIB em 2001, cresceu mais depressa a partir de 2009 e deve chegar a 1,6% do PIB em 2015. A Previdência urbana tornou-se superavitária em 2009, mas deve voltar ao vermelho neste ano, devido a desonerações, a mais trabalho informal e ao aumento do desemprego.

Explica-se o crescimento do deficit rural pelo aumento de beneficiários e pelos reajustes acelerados do salário mínimo, que define o piso do valor das pensões.

Há um urgente problema de financiamento, como aponta uma nota do balanço mensal das contas públicas federais.

É preciso prevenir agora crise ainda maior no médio prazo. Em menos de uma década o Brasil entrará em uma fase na qual a demografia pode dificultar o crescimento da economia e elevar despesas públicas: haverá mais dependentes em relação ao número de trabalhadores. Isto é, a fração de crianças e idosos será relativamente maior.

Não há meios razoáveis de manter inalterado o sistema da Previdência. O buraco que ele já cava no Orçamento constitui parte essencial da presente crise de financiamento do governo como um todo.

Executivo e Legislativo precisam ter claro que será inescapável limitar os gastos com a Previdência, por meio de mudanças na idade mínima e na vinculação dos benefícios aos aumentos do salário mínimo. Sem isso, a sobrevida desse e de outros programas assistenciais impedirá o governo de dar atenção a outras áreas.


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