Folha de S. Paulo


EDITORIAL

Epidemia cruel

O governo federal anunciou na segunda-feira (23) a criação de uma força-tarefa para tentar conter o surto de microcefalia que já atinge 160 municípios de nove Estados. Até agora o país contabiliza 739 registros de episódios suspeitos, um aumento assustador em relação ao último quinquênio. De 2010 a 2014, a média anual ficou em 156 casos.

Embora as autoridades sanitárias ainda mantenham como hipótese a explicação para esse fenômeno, tudo leva a crer que o aumento de ocorrências de malformação do crânio esteja ligado à propagação do vírus zika, identificado no Brasil pela primeira vez em junho.

Transmitido pelo mosquito Aedes aegypti –também responsável pela difusão da dengue–, o zika produz uma infecção mais branda e menos prolongada; 80% dos infectados nem sequer têm sintomas.

Há grande preocupação, porém, com seu até então desconhecido potencial teratogênico. Não se ignorava que certos vírus (o causador da rubéola, por exemplo) podem afetar o desenvolvimento cerebral de um feto, mas tal conexão não fora estabelecida para o zika.

Trata-se, afinal, de agente infeccioso algo discreto. Isolado em 1952, na África, só veio a provocar uma epidemia em 2007, numa ilha do Pacífico (Yap). No ano passado, durante surto na mesma região (Nova Caledônia), suspeitou-se que o zika pudesse estar associado à síndrome de Guillain-Barré, que leva o sistema imunológico a atacar o sistema nervoso por engano.

A possibilidade de esse vírus provocar microcefalia é ora aventada pela coincidência temporal entre o aparecimento do zika e a súbita disparada de casos da anomalia em recém-nascidos.

Tal desconfiança viu-se reforçada quando mães de bebês microcéfalos afirmaram que, na gestação, exibiram sintomas de zika, como manchas vermelhas na pele. Agora, os resultados de exames de duas gestantes confirmaram a contaminação dos fetos pelo vírus. Além disso, a explosão do número de registros aponta para uma doença transmitida por um vetor.

É crucial identificar a causa de um surto para melhor enfrentá-lo, mas, no contexto brasileiro, as notícias são pouco alvissareiras.

Até o último dia 14, assinalaram-se 1,5 milhão de casos prováveis de dengue no país; no mesmo período de 2014, a conta parava em 555 mil.

Em outras palavras, o combate ao Aedes aegypti, transmissor da dengue e do zika, tem-se revelado dos mais precários. Ainda que persistam dúvidas sobre a relação entre o vírus e a microcefalia, o poder público, nas três esferas de governo, não pode tardar a agir.

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