Folha de S. Paulo


ANNA VERONICA MAUTNER

Rugas em vantagem

Estamos cansados de saber que os últimos 30 anos foram e continuam sendo dos jovens, dos belos, dos fortes –dos que têm um futuro pela frente. Com mais de 50 anos já é difícil arranjar emprego. Os homens ainda ganham uns anos a mais do que as mulheres, enquanto dignos para o usufruto da cidadania. Mas pobre idoso! Quem tem paciência com os anciões?

As leis, os decretos, as normas protegem os velhos. Meia-entrada, bancos especiais, filas especiais, isenção de certas taxas, sindicatos, instituições corporativas. Isso é bom, porque afinal o velho –longe da flor da idade, ausentando-se devagar dos meios de produção– precisa de alguns privilégios.

No império do jovem, por incrível que pareça, os idosos estão começando a receber agrados, gentilezas, certos privilégios das relações interpessoais. As famílias deixam os idosos sentarem na frente no carro. O idoso, quando não atrapalha, quando não é chato, quando não é repetitivo, goza de simpatia –recebe muito mais sorrisos nos espaços públicos do que gente madura ou mesmo jovem.

O velho tem mais tempo para jornal e revistas. O velho novidadeiro tem tempo para pescar novidades, é visto como um cara divertido. E se ele assim for, nem importa que seu caminhar seja mais lento e que para entrar e sair de veículos emita alguns "ai-ai-ais". Como é que nós vamos achar uma explicação para isso, neste mundo tão preconceituoso com as rugas e as dores tão próprias da "melhor idade"?

Tenho uma hipótese, que quase acho ser uma tese: a vida profissional e afetiva hoje em dia está tão competitiva, tão difícil e estressante que os maduros, isto é, os adultos jovens, não podem se permitir sorriso, simpatia, contato suave e despretensioso.

Já o velho não tem que competir na raia da corrida pela vida glamorosa. Ele já é tudo o que podia vir a ser. Não sendo doente, o idoso vive num espaço relaxado. É livre para curtir o aqui/agora. Os indivíduos que estão no centro do universo da inclemente vida pública têm que ser eternamente desconfiados, atentos, sempre à busca de eficiência.

O idoso no aeroporto, no parque, na praia, de manhã pelas ruas, depara-se com um mundo de sorrisos. Se ele sorrir ele receberá uma acolhida afetiva. Naturalmente isso não vale para a mãe carente que telefona com frequência. Ou o pai, tio ou avô que atrapalha com suas perguntas, queixas. O bem querer do idoso tem a ver com ajudar sem atrapalhar. Tem a ver com o sorriso.

Fala-se que as conquistas da ciência aumentarão o número de idosos nas próximas décadas. Mas não creio que seja sorriso/investimento. Os sorrisos que acolhem são uma libertação dos jovens e adultos, que podem olhar sem ver competição.

Muita coisa na relação entre adultos e velhos vai além da educação ou da legislação. Há uma imensa alegria em torno de não mais competir, apenas fazer, contar o que sabe e o que viveu.

A gentileza, a alegria, a simpatia desabrocham em volta do idoso lúcido que não ameaça nem atrapalha. O velho que sorri e ajuda é sempre bem acolhido.

ANNA VERONICA MAUTNER é psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo e autora de "Cotidiano nas Entrelinhas" (ed. Ágora)

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