Folha de S. Paulo


ANGELITA HABR-GAMA

Adeus bacon?

A Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou um relatório que classifica como carcinógena a carne processada, como o bacon e a salsicha. Além disso, incluiu a carne vermelha na lista de prováveis carcinógenos. Isso significa um tchau para bacon, cachorro-quente ou churrasco?

A resposta não é um simples "sim" ou "não". Primeiro é necessário entender o que está sendo classificado como carcinógeno ou provável carcinógeno, o porquê da classificação, e o que isso significa, para então responder a pergunta.

Primeiro vamos destrinchar as definições das carnes. A definição da OMS para carne processada inclui qualquer carne, branca ou vermelha, que tenha sido transformada por adição de sal, fermentação, cura, defumação, adição de nitritos e nitratos ou qualquer processo para realçar sabor ou preservá-la.

Entre as carnes processadas estão bacon, salsicha, presunto, linguiça, carne seca, paio e várias outras que fazem parte do nosso dia a dia. Já a carne vermelha, a carne muscular de mamífero não processada, inclui carne suína, bovina, ovina e de outros mamíferos.

A classificação de carcinógeno do Grupo 1 é dada para substâncias nas quais a OMS considera existir dados científicos suficientes que comprovem a relação com o desenvolvimento de um câncer. Isso coloca a carne processada no mesmo grupo do cigarro e do amianto.

Os estudos dizem que consumir por dia mais de 50 gramas de carne processada aumenta em 18% o risco de desenvolver câncer colorretal.

Já a classificação de provavelmente carcinógeno ou Grupo 2A é dada para substâncias cuja relação com o desenvolvimento do câncer não é tão clara. No caso da carne vermelha, metade dos estudos são positivos e metade negativos.

Mesmo assim, a OMS avalia que o consumo diário de mais de 100 gramas de carne vermelha provavelmente aumenta o risco de câncer.

As carnes processadas estimulam a produção de compostos que podem causar dano ao DNA das células do intestino grosso e, eventualmente, um câncer. Já a carne vermelha, quando aquecida, principalmente sob fogo direto (tipo churrasco), gera substâncias que também provocam dano ao DNA das células, podendo levar ao câncer.

O que a OMS não esclarece é o tamanho do risco. Soa muito forte dizer que as chances de câncer aumentam em 18% com a carne processada, mas quando comparamos com o tabagismo, que eleva o risco de câncer para fumantes em 2.000%, entendemos que o perigo do bacon é bastante menor.

Em números mais claros e não tanto alarmistas, considerando que a chance de uma pessoa contrair câncer colorretal ao longo de sua vida é em torno de 4%, o consumo diário de 50 gramas de carne processada aumentaria o risco para 5%.

Vale lembrar que o câncer colorretal é um raro tipo que pode ser prevenido com rastreamento por colonoscopia. Os pacientes devem iniciar esse exame após os 40 anos.

É oportuno destacar que o consumo de expressivas quantidades de verduras, legumes, frutas, concomitantemente à ingestão de carne vermelha, nos protege, pelo menos em parte, do efeito carcinogênico alertado pela OMS.

Portanto a resposta é que qualquer carne deve ser consumida com moderação. Basta pensar que a doença metabólica e a hipercolesterolemia, também associadas ao consumo exagerado desse alimento, são mais letais do que o próprio câncer colorretal.

ANGELITA HABR-GAMA é professora da Faculdade de Medicina da USP e presidente da Associação Brasileira de Prevenção do Câncer de Intestino

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